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O néctar de nossos deuses

Colaborador de Navegos acompanha o seriado da Amazon Prime inspirado na obra  A alimentação no Brasil, de Luís da Câmara Cascudo, e  faz  elogio do coco.  

*Francisco Alexsandro Alves

A culinária indígena influenciou decisivamente os hábitos alimentares dos portugueses na terra que batizariam de Brasil. Mas esse caminho é de mão dupla. Os portugueses também trouxeram para o Brasil novos ingredientes que também transformariam os hábitos dos habitantes que aqui viviam. Ingredientes como manga, caju, banana, coco, não são autóctones, são estrangeiros. Por mais surpreendente que pareça, estes alimentos já tão tradicionais não apenas em nossa alimentação, mas mesmo no inconsciente coletivo do Brasil são obras das grandes navegações portuguesas.

O caminho é a África Oriental. Quando estes conquistadores natos, os portugueses, globalizam o mercado com suas rotas marítimas, eles trazem, da Índia, muitos frutos desconhecidos do Ocidente. Primeiramente estes novos frutos são introduzidos na mãe África. Inclusive o coco. Este alimento, que se tornaria tão popular entre o povo africano que muitas das oferendas aos orixás mudaram seu preparo, substituindo o azeite de dendê pelo leite de coco, foi introduzido no Brasil pelos lusitanos.

Mas e aquelas palmeiras que todos vemos, na imaginação, quando pensamos em Pedro Álvares Cabral observando ao longe em alto-mar a costa da nova terra? Há uma variedade muito grande do coco. Esse coco que consumimos hoje é inspiração de Portugal. Os indígenas não apreciavam muito a iguaria, na espécie que já existia por aqui, porém a civilização africana se rendeu ao seu sabor inigualável. O Mestre Cascudo afirma que “com leite de coco come-se até areia”.

O coco trazido pelo português via rota África Oriental, transformaria o sabor de nossa alimentação.

A tapioca, comida de fortes raízes ancestrais indígenas, não era servida com coco! Não é incrível? Quem imagina hoje uma tapioca sem leite de coco ou sem coco ralado? Esse sabor é português. Essa alquimia perfeita entre o produto indígena e indiano é invenção dos grandes navegantes.

Falando na Índia, não é à toa a rica semelhança no paladar dos pratos brasileiros e indianos. É fruto da globalização portuguesa.

Eu vejo o coco como o néctar dos deuses brasileiros. Uma expressão estranha, mas explico. As três civilizações que nos formaram, possuíam deuses diferentes. As oferendas aos orixás absorveram o leite de coco; a mandioca mítica e ancestral foi combinada, e de forma perfeita, com o leite de coco; e os cristãos portugueses tiveram sua resistência à mandioca minada com a introdução do leite de coco.