*Nádia Lira
Desde criança Bóris Mikhail já demonstrava sua grande habilidade para escrever, e logo a família profetizou que ele iria se tornar um jornalista, contrariando a vontade do pai, cujo desejo era encaminhá-lo para a política. Mas Bóris Mikhail formou-se em Jornalismo e escrevia com brilhantismo, ganhando não apenas notoriedade, mas também dinheiro e amigos.
O profissional do jornalismo, porém, quando tem muitos amigos, acaba se tornando um assíduo frequentador de bares, botecos e similares. Alguns se tornam apreciadores de cerveja. Outros, de bebidas destiladas. Existem aqueles mais moderados que preferem beber café. Todo jornalista sabe, que as melhores pautas, as melhores histórias e as melhores conversas são iniciadas numa mesa de bar e Bóris aprendeu isto muito cedo.
Ao mesmo tempo em que ganhava fama, graças à excelência do seu trabalho, Bóris Mikhail também ganhava notoriedade pelos porres homéricos que tomava, na sua incansável busca pela melhor pauta. Num desses porres, acabou na frente de um condomínio de luxo, proferindo impropérios contra um famoso deputado, que estava implicado em um escândalo envolvendo uma construtora de renome internacional.
Indignado com as ofensas, o deputado logo chamou a Polícia Militar, a Guarda Municipal e o Secretário de Segurança Pública para prender o jornalista metido à besta, que tinha o descaramento de desacatar uma autoridade que se encontrava recolhido no sacrário do seu lar. O jornalista não foi preso graças à grande amizade que seu pai mantinha com o Secretário de Segurança Pública e um pedido de desculpas resolveu o problema.
Mas, Bóris Mikhail continuou bebendo com os amigos e foi parar na Cidade de Pontal da Areia Dourada, uma praia onde tinha muito admiradores. Tão logo chegou a Praça Central, botou os olhos numa bela morena e pensou: ” hoje eu vou me dar bem”. Imediatamente iniciou um romance com a moça e ela o convidou para ir ao cinema, porque segundo ela, estava passando um filme ótimo e ela queria assistir de qualquer jeito.
Sem outra opção, ele entrou na fila para comprar os ingresses e sequer escutava os gritos dos moleques do lugar, dizendo alguma coisa que ele não conseguia entender. Entraram na sala e ele tratou de encher a morena de carícias. Tornou-se um pouco mais ousado no momento em que as luzes se apagaram e o filme começou.
O silêncio era absoluto, porque todos estavam interessados na história. Mas, eis que de repente, se ouviu um estrondoso grito de Bóris: “Ela é homem”. As luzes de cinema se acenderam, a exibição da película foi interrompida e uma tremenda confusão se formou no recinto. Um grupo de moleques ria sem parar, enquanto repetiam: “Só agora o leso descobriu que ela é um homem”.
Em São Paulo seu talento explodiu e ele, além de escrever para os maiores e mais importantes jornais do País, também escreveu vários livros, que rapidamente se transformaram em campeões de venda.
Mas, a saudade da família, dos amigos e da vida pacata de sua Cidade Natal eram torturantes. Depois de oito anos longe de casa muita coisa havia mudado. Seu pai entrara para a política e se elegera governador do Estado, enquanto o irmão mais velho, seguindo os passos do pai se tornara prefeito da cidade. Sua única irmã casara com um rico empresário e tinha três filhos.
A saudade apertava o coração de Bóris e ele decidiu vir fazer uma visita à família. Comprou uma lembrancinha para cada uma das pessoas da família, porém não sabia o que trazer para a irmã, que sempre fora muito vaidosa. Então, pensou em comprar-lhe uma peruca com cabelos longos e loiros. O adereço estava na moda e iria cair muito bem na irmã.
Mas, como trazer a peruca sem danificá-la? Só encontrou uma alternativa. Viajaria de ônibus usando a peruca. Só assim não corria o risco de causar qualquer dano ao presente da irmã. E assim fez. Embarcou no ônibus e enfrentou quatro dias de viagem sem apoiar a cabeça no banco, para não estragar a peruca.
Quando chegou à sua cidade, toda a família estava na Rodoviária esperando o rapaz, que foi o último a descer do ônibus. Ele desce sorridente e corre para a mãe, mas esta, ao vê-lo de peruca loira, não resiste à emoção e cai durinha. Uma confusão se forma entre as pessoas, que gritam desesperadas pela Samu. O pai, engole em seco e não consegue evitar que uma lágrima escorra pelo canto do olho.
Atônito com a situação, Bóris Mikhael tira a peruca lentamente, examina-a cuidadosamente para ver se o adereço não sofreu qualquer estrago e de forma solene passa-a para as mãos da irmã: “Tome, eu trouxe para você! ” A irmã enfurecida abanando a mãe, que continua desmaiada e porque a Samu ainda não chegou, pega a peruca e diz em alto e bom som: “Eu não quero essa porcaria. E joga a peruca no cesto de lixo mais próximo”.
OBS: Qualquer semelhança com uma situação da vida real, terá sido uma feliz coincidência.