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O ostracismo de um oportunista

Fundador de Navegos reencontra, por acaso, o primeiro dos secretários de cultura que Natal já teve, e lhe veio à memória um fato capital de sua insípida biografia.

*Franklin Jorge

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Na última sexta-feira, 15 de julho, enquanto conversava com amigos numa cafeteria de supermercado, fui surpreendido por um comunista aposentado, de calções e pernas finas, que passou ao nosso lado empurrando um carrinho de compras. Havia muito, completamente esquecido de todos, o supunha já morto, mortíssimo da silva, quando apenas, na verdade, ele estava ali apenas a desfrutar do ostracismo que decorre do fato de, por seu facciosismo deletério que fez mal a tanta gente, ter passado a habitar a implacável ‘’lata de lixo da História’’.

Refiro-me ao secretario de cultura do ex-prefeito Garibaldi Alves, Gileno Guanabara, que deixou fama de medíocre e atrabiliário, promovendo o descrédito do próprio governo ao qual servia sem nenhum mérito. Por isso, os espirituosos artistas na época, à socapa, referiam-se ao nosso personagem como a “Lagartixa Albina’’. Um indivíduo minimamente provido de alguma distinção intelectual, apesar do esforço dispendido para se fazer notado, terá desfrutado apenas de uns ralos cinco minutos de fama.

Tendo subido na vida com o beneplácito do Partido Comunista do Brasil que por gerações deu boa vida a uma horda de militantes empedernidos, vi-o em carne e osso, no máximo uma dezena de vezes, e assim mesmo por acaso, pois, por instinto, sempre evitei o convívio com pessoas da mesma caterva infensa aos refinamentos da cultura e dos bons princípios. Porém, permaneceu indelével em minha memória aquela quadra de minha vida em que atendendo a um convite do jornalista Cassiano Arruda Câmara, desempenhei na campanha que elegeu a finadíssima Wilma de Faria, então ainda Maia, prefeita de Natal, a função de Editor da Mídia Impressa, ou seja, estava sob minha responsabilidade a produção diária de um jornal de campanha, o Jornal de Oposição que fez história e rapidamente se tornou um parâmetro numa campanha sob a bandeira da Modernidade.

Jamais pude esquecer aquela manhã em que ele entrou de porta adentro, em nossa sala de trabalho, sobraçando um envelope, seguido por um acólito, para anunciar que trazia um fato novo capaz de incrementar o pleito eleitoral com um anuncio supimpa. O apoio do decano dos comunistas potiguares, autor da missiva que ele queria que eu, como Editor, publicasse no jornal de campanha. Abri e li as breves e entusiásticas palavras em apoio à candidatura de Dona Wilma. Fiquei pasmo com o expediente, dum primarismo larvar, pois no dia anterior, conversando na Justiça Eleitoral com uma funcionária     que me atendera gentilmente, identificando-se como uma leitora de meus escritos jornalísticas, disse-me ser filha do Dr. Vulpiano Cavalcanti, durante  anos médico de minha avó, naquele momento, segundo informou com pesar, há dias internado na UTI de um hospital em Fortaleza, já desenganado de quaisquer recursos.

Recusei-me, portanto, a publicar a carta e, ao fazê-lo, dar foros de verdade a uma deslavada mentira. Educadamente o informei que no dia anterior, ao ir pegar no Tribunal a segunda via de meu Título Eleitoral, soubera pela própria filha de Dr. Vulpiano, que ele já não dava acordo de si havia muito tempo e a qualquer momento, em Natal a família esperava receber a confirmação do seu falecimento. Gileno, comunista militante devotado à contradição da verdade, não perdeu o rebolado. Retrucou  com aquele ar de molecagem: ‘’Isto é o mais importante. À beira da morte, sem dar acordo de si, não poderá desmentir a publicação…’’ Senti-me afrontado com aquele expediente.

No último dia 15, portanto, o revi após quase quarenta anos, por duas vezes, indo e vindo, no Nordestão, passou a pouca distância de nós, de calções e pernas finas, empurrando um carrinho de supermercado. Já exausto por tantas batalhas do mal contra o bem, deixou-nos a impressão de que era de fato um morto-vivo a vagar na praça de alimentação, envolto numa sinistra aura zumbiacal.

FOTO À esquerda, Gileno Guanabara em solenidade de lançamento do Selo em homenagem a Luís Maranhão.