*Marcelo Alves Dias de Souza
Ouvi falar G. K. Chesterton (1874-1936) por intermédio do meu pai. Houve um tempo em que ele andava sempre lendo algo do escritor inglês. Católico convertido em um país anglicano (e talvez aí resida a razão da admiração de meu pai), Chesterton foi um intelectual “à moda antiga” e um polemista, com suas desavenças, muito mais intelectuais, com personalidades como Bertrand Russel, H.G. Wells e, sobretudo, George Bernard Shaw (que, apesar das polêmicas, sempre reconheceu a genialidade do seu amigo adversário). Escritor prolífico e diversificado, passeou por todos os estilos: escreveu teatro e poesia; foi biógrafo, jornalista e crítico de literatura; tratou de religião e política, passando pela filosofia; e, além disso, escreveu ficção de primeira.
E foi apenas outro dia, quando pela enésima vez estava fuçando os sebos de Charing Cross, que, sem querer, esbarrei com Chesterton ou, melhor, como uma coleção de suas obras. Aliás, aqui abro um parêntesis: antes que alguém me pergunte, em tom de reprimenda, o que faço tanto nesses sebos e não em um pub ou coisa que o valha, onde talvez esbarrasse com gente mais interessante, certamente mais bonita do que o corpanzudo intelectual inglês, responsavelmente respondo: “tem tempo para tudo, para plantar e para colher, e amante da terrinha, prefiro prestigiar a beleza das nossas vizinhas”. Embora, cá entre nós, também confesse: “poderia inverter os tempos se, no sebo ou fora dele, esbarrasse com a beleza de uma Sienna Miller, intelectual ou não”.
Mas fechemos o parêntesis e voltemos a Chesterton.
Em um único volume, em papel de jornal, o livro (para não dizer o livrão) custava apenas cinco libras esterlinas. Atraído pela qualidade dos textos e sobretudo pelo preço (outra confissão), não tive dúvida e comprei-o. E lá estavam as principias obras do escritor londrino, nascido no aprazível distrito de Kensington. Obras de denso conteúdo como “Orthodoxy” (1908) e “The Everlasting Man” (1925). A ficção de primeira qualidade dos romances “The Napoleon of Notting Hill” (1904) e “The Man Who Was Thursday” (1908). E sobretudo contos, muitos contos, das várias séries protagonizadas pelo detetive de Chesterton, o inusitado Father Brown.
Que meu pai não leia isso, mas deixei de lado “Orthodoxy” e “The Everlasting Man”, as obras preferidas dele; prometi-me, se Deus desse bom tempo, um dia ler “The Napoleon of Notting Hill” (uma divertida distopia que teria influenciado George Orwell na composição de “1984”) e “The Man Who Was Thursday” (por muitos considerada a melhor obra ficcional do autor); e passei direto para as pitorescas estórias do Padre Detetive. Às vezes negligenciado por nunca haver protagonizado um romance, Father Brown nos é apresentado em cinco coletâneas de contos: “The Innocence of Father Brown” (1911), “The Wisdom of Father Brown” (1914), “The Incredulity of Father Brown” (1926), “The Secret of Father Brown” (1927) e “The Scandal of Father Brown” (1935).
Apesar de alegadamente inspirado em um personagem real (o padre John O’Connor, 1870-1952, que teria exercido um papel decisivo na conversão de Chesterton), Father Brown é o descendente religioso de Sherlock Holmes, como explica Barry Forshaw (em “The Rough Guide to Crime Fiction”, 2007), com sua mente brilhante e suas idiosincrasias, típicas de uma época, em prol da solução dos mais variados crimes. E embora as primeiras estórias datem de antes da conversão oficial de Chesterton ao catolicismo, em 1922, Father Brown não deixa de ser o veículo mais popular para divulgação da moral e da religiosidade defendida pelo seu criador. Além das pertinentes citações das Escrituras para ilustrar a sabedoria divina, é o caso, por exemplo, da defesa que o autor, pela boca do Padre Detetive, faz do sacramento da confissão e da tolerância humana: “é conhecendo a si próprio que se entende melhor os outros; e é entendendo os outros que se conhece melhor a si próprio”. Mas as estórias do Padre Detetive – criadas, segundo se diz, no tempo livre entre a escrita mais “séria” do autor – são acima de tudo uma mistura de crime e humor, o que é típico de Chesterton, o príncipe do paradoxo, que levava a sério as coisas cômicas e fazia humor com as sérias. E isso talvez explique o fato de Father Brown ser hoje um dos mais amados detetives da ficção em língua inglesa.
O certo é que estou adorando as peripécias de “Father Brown” e quero daqui para frente ser um leitor de Chesterton. Um daqueles pertencentes à raça humana, como o são boa parte dos seus leitores, como disse ironicamente o escritor. E para construir uma imagem do Padre e do seu entorno, até comprei um filme em DVD com uma estória de Father Brown, produzido pela Columbia Pictures em 1952 e que faz parte da coleção “Classic British”. Baseado em “The Blue Cross” (a primeira das aventuras do curioso detetive), o filme é protagonizado por Alec Guinness (durante as filmagens também convertido ao catolicismo) que, de certa forma lembrando o Inspetor Jacques Clouseau de Peter Sellers, se desencarrega do papel muito bem. Mas isso me custou a “fortuna” de quase oito libras. E quase que desisto, doravante, de assistir as “coisas” por aqui e quedar-me só lendo. Afinal, nada mais barato e gostoso aqui do que ler, já que, nas ruas e nos sebos, são dados de graça (ou quase) jornais e revistas ou até mesmo maravilhas como a obra do desmesurado Chesterton.