*Napoleão Veras
O momento atual pode ser comparado àquele sujeito que leva fama de rico a vida inteira, morre de repente, e então descobre-se a verdade: de rico não tinha nada. Países da América, Ásia e, principalmente, da Europa, economias consolidadas, sobre quem se enchia a boca para nomeá-los “países de primeiro mundo”, mostram hoje, claramente, diante a aluvião de mortes e sofrimento nos seus territórios, que longe estão das portas do paraíso que se auto atribuíam. Descobriu-se desafortunadamente que têm sistemas de saúde mal estruturados, confusos, com nível lento de decisões, respostas mais lentas ainda, sem correta previsão de catástrofes e, pior, sem lastro operacional/financeiro para fazer frente à dificuldades, como a essa onda escura que se ergue sobre todos nós.
A Itália, quarta economia europeia, confessa não ter equipamentos – respiradores e EPIs – para assistir os seus; o governador e prefeito de NY convocam voluntários pela net, anunciando não ter insumos, máquinas e leitos suficientes para a assistência – a passos do colapso; a Inglaterra bate cabeça – em uma semana anuncia estratégias distintas para combater a Covid 19, e em seguida se rende ao unânime isolamento horizontal; a China, tão pujante na elevação anual do PIB, mistura num só balaio controles sanitários ultrapassados, tecnologia de ponta, e peneira política sofisticada e repressora de informações estratégicas de interesse humanitário – tornando suspeitas suas estatísticas, no mínimo.
Constrangedor o mundo ocidental, de bolso liso, e a ONU, fazendo cara de paisagem ante as evidências de manipulação de informações, prisão de médicos, comportando-se como meros parceiros comerciais submissos e omissos, jogando aos porcos princípios éticos, morais, humanitários.
Quando vi por esses dias o jornalista Mainardi nas ruas esvaziadas de Veneza, indo desmanchado em direção à Basílica de Santa Maria della Salute, tive a estranha sensação de uma dupla volta ao passado: meu aniversário de 28 anos, ali, em frente a La Salute, como conhecida, deslumbrado com sua beleza barroca e uma história de quase 400 anos.
A igreja é o que se pode chamar de ex-voto. O maior que jamais imaginara conhecer. A *peste negra* havia enterrado um terço da população veneziana, mas a epidemia chegara ao fim. Nobres, padres, arquitetos, operários e a população lançam-se então à tarefa de erguer a basílica para agradecer à Santa Maria, e celebrar a graça (enfim) alcançada, pagamento de promessas inimagináveis.
A exótica cidade devastada por uma moléstia de origem não sabida. Seriam as águas, castigos divinos, emanações doentias, ou a população de ratos e pulgas que infestavam seus canais e ruas tortuosas?
Sem medicamento algum para tratar, anterior a mais vaga noção do que um dia seriam as vacinas, com a medicina sem noção do que fazer, e mais, do que curar.
Havia forte suspeita de que tudo começara na China – teria por acaso sido em Wuhan? – aportando depois no território da hoje Itália através de 8 galeões genoveses.
Lentamente (depois de décadas ou séculos) chegou-se a uma radiante descoberta: o valor do isolamento como meio de conter a propagação do mal.
Tal como o de hoje, rebatizado de isolamento social. Afastar-se do convívio. A nobreza escondia-se em suas deslumbrantes propriedades rurais.
A população contaminava-se indefesa nas ruas, no meio social.
Anos para descobrir que a transmissão se dava pelas vias respiratórias e por secreções do corpo.
A partir daí proibiram-se o acompanhamento de doentes por circunstantes, ou de rituais para velar os mortos.
É provável que por então as ruas do medievo estivessem coloridas de lenços cobrindo as faces das pessoas, a se defenderem dos temidos miasmas, emanações contaminantes, e outras crenças anteriores à microbiologia.
Os médicos que cuidavam dos enfermos da peste usavam uma roupa preta de couro e uma máscara, igualmente de couro, em forma de bico de pássaro.
Séculos mais tarde passou-se ao uso de máscaras mais delicadas. Geralmente brancas ou azuis, com elástico.
Tão longe, tão perto.
