Aída, de Giuseppe Verdi (1813-1901), foi a sua última ópera, antes de seu retiro, estreada em 1871. Em 1887, o compositor retorna a sua atividade artística, com Otello e, em 1893, sua última ópera, Falstaff, ambas baseadas em Shakespeare e com libreto de Arrigo Boito.
Escrevi sua última ópera em relação à Aída, pois ela marca um ponto culminante da arte operística verdiniana, que se iniciara com Rigoletto, sua décima sétima ópera, em 1851. Otello e Falstaff são dramas musicais, no caso dessa última, uma comédia musical.
Mas Aída é, sem dúvida, a obra mais amada de Verdi. Nela, o italiano atinge o cume da arte cantante italiana, ao mesmo tempo em que apresenta um drama intenso, as árias não interrompem, de todo, a ação. Embora as cenas não estejam interconectadas, como em um drama musical, também não podemos ver a música como exibicionismo para cantores, algo comum na ópera italiana. Diria que, com Aída, Verdi consegue um equilíbrio maravilhoso entre ação dramática, exigida pelo avanço de Wagner, e canto italiano, respeitando a tradição que Verdi continuava e que coroou com êxitos cada vez mais maiores até chegar na realização de Aída, que é a consumação da arte lírica de Verdi, até aquele momento.
Aída, uma princesa etíope, está sendo mantida como escrava pelos egípcios. As conquistas militares do Egito sobre a Etiópia se sucedem e os egípcios clamam por mais batalhas. Eles não suspeitam que Aída seja de sangue real e a colocam como serva da princesa Amnéris. Esta ama Radamés, alto general, escolhido pelos deuses para levar o Egito à vitória definitiva. No entanto, este ama a escrava e é, por ela, correspondido.
O que eu mais admiro nessa obra é como o intimismo desses três personagens se choca com as armadilhas que a superestrutura egípcia interpõe em seus desejos.
Amnéris é a filha do Faraó, ela representa o poder executivo do Estado; Radamés é o maior general de seu povo e escolhido divino para seu cargo, suas armas são abençoadas no templo de Vulcano, ele, portanto, a só tempo, representa as forças armadas e a religião; ambos os personagens têm obrigações severas sobre si. Aída, está na infraestrutura do Estado, é uma escrava, ela é a força de trabalho que move o império. Mas ela também é, originalmente, de classe nobre.
As tensões entre os três se revelam entre eles, mas também em relação aos seus sentimentos sobre o dever e a pátria.
E há momentos que de tão mágicos, só são credíveis pela música.
Como no terceto do primeiro ato entre Radamés, Amnéris e Aída. O general deseja ser o escolhido dos deuses (o que se realiza), mas ao mesmo tempo ele deseja enviar Aída de volta para seu povo. Amnéris, que o ama, percebe seu tormento e o questiona; ele responde sobre a batalha decisiva iminente, porém ela, de maneira inacreditável, lhe pergunta se algo mais sério não o incomoda. Ela fala sobre amor.
Bem, diante de uma guerra, como o amor pode ser mais sério?
Eis a grande magia dessa obra: seus personagens parecem desejar viver em um outro mundo, longe dos contratos sociais impostos.
Quando surge Aída, Amnéris percebe no olhar do general uma fuga. Imediatamente conclui que tem uma rival. O Estado inteiro em guerra e estes três personagens em uma batalha de amor. O terceto é maravilhoso, digno da arte italiana do canto.
Mas antes desse terceto temos a Romanza de Radamés, dividida em duas partes, um rápido recitativo: “Se quel guerrier io fossi!” (Se este guerreiro eu fosse!), com brilhante alarido de trompetes, que é seguido por uma ária: “Celeste Aída”, em que predomina o intimismo da flauta, do fagote e, sobretudo, do oboé – é lindo! Após o desejo guerreiro do recitativo, a verdade escondida em sua alma se revela na melodia do oboé que surge após as palavras “tu sei regina, tu di mia vita sei o splendor!” (Tu és rainha, esplendor de minha vida!).
O canto de Aída também é um misto de dever e sentimento, sobretudo na grande cena do Nilo, no terceiro ato. Em seu recitativo e em sua ária nostálgica “Qui Radámes verrá!… Ó, patria mia!” (Radmés virá aqui!… Ó, minha pátria). Aqui, assim como em Radamés no primeiro ato, Aída mostra todo o conflito do drama, e de maneira ainda mais sincera e profunda do que Radamés mostrara. O tratamento das madeiras é mais intimista e elaborado e surge dentro do desejo de Aída em retornar ao seu país.
Para Amnéris resta ainda, dentro de seu entendimento, clamar para Radamés que a aceite como esposa. Como filha do Faraó, intercederá por ele – Radamés foi descoberto traindo os egípcios -. Diante da negativa do ex-general, a filha do Faraó termina amaldiçoando os sacerdotes e o Estado, porém assiste ao aprisionamento e execução de Radamés e Aída.
Abaixo, um vídeo com a ópera, com legendas em português e com Luciano Pavarotti (Radamés), Maria Chiara (Aída) e Ghena Dimitrova (Amnéris).