*Emil Cioran
Eu vou te dizer algo sobre honestidade. Quando você faz um ensaio de quarenta páginas sobre o que quer que seja, você começa com certas declarações anteriores e se torna um prisioneiro delas. Uma certa ideia de honestidade o obriga a continuar a respeitá-los até o fim, a não se contradizer. No entanto, à medida que o texto avança, outras tentações são oferecidas, as quais devem ser rejeitadas porque se desviam do caminho traçado. Um está encerrado em um círculo desenhado por ele mesmo. Desta forma, a pessoa se torna honrada e cai na falsidade e na falta de veracidade. Se isso acontecer em um ensaio de quarenta páginas, o que não acontecerá em um sistema! Este é o drama de todo pensamento estruturado, não permitindo a contradição. Assim, caímos no falso, mentimos para proteger a coerência.
Por outro lado, se fizermos fragmentos, no decorrer do mesmo dia pode-se dizer uma coisa e outra. Porque? Porque cada fragmento de uma experiência surge diferentes e essas experiências são verdadeiras: são o mais importante. Dir-se-á que isso é irresponsável, mas se for, será no mesmo sentido que a vida é irresponsável. Um pensamento fragmentário reflete todos os aspectos de sua experiência: um pensamento sistemático reflete apenas um aspecto, o aspecto controlado e, em seguida, empobrecido. Em Nietzsche, em Dostoiévski, todos os tipos possíveis de humanidade falam, todas as experiências. Apenas o controlador, o chefe, fala no sistema. O sistema é sempre a voz do chefe: é por isso que todo sistema é totalitário, enquanto o pensamento fragmentário permanece livre.
Conversa de Emil Cioran com Fernando Savater
El País, 23 de outubro de 1977
Foto: Emil Cioran e Fernando Savater em Paris