*Alexsandro Alves
Ao término da leitura da “Ilíada”, desejo aproveitar este espaço para algumas considerações em torno da obra. Como mencionei anteriormente, quando, aqui mesmo nesse espaço, anunciei que interrompera a leitura de “O Caminho de Guermantes”, exatamente por conta do épico homérico, a sensação inicial permanece: aquela corrente de nobreza e gravidade que senti desde os versos iniciais, Homero mantém em todos os seus 15.693 versos, divididos em 24 cantos. A manutenção dessa atmosfera de solenidade precisa ser sempre destacada para o leitor, sobretudo se, como é o meu caso, estiver lendo o texto em seu formato original pela primeira vez. Porque a leitura que havia feito dessa obra, e também da “Odisseia”, na juventude, foi uma adaptação em prosa. E assim como uma adaptação para o cinema de qualquer obra empalidece sua fonte original, da mesma forma quando se transpõe Homero para o romance, há uma perda significativa da majestade e da grandeza originais. Esse tom de solenidade nós não encontramos em muitas das obras modernas, mesmo as mais grandiosas. Por isso o tom pode pesar na apreciação da obra, não é uma obra leve. Mas precisa ser dito outra coisa também: nós nos adaptamos a esse tom de forma natural. Com o tempo, a métrica e a sonoridade homéricas se tornam familiares ao nosso espírito, mas é preciso vencer através da resistência, porque a sensibilidade moderna é fragmentária.
Outro ponto importante são os personagens. São todos de descendência nobre, semideuses ou deuses. Eis, também, outra razão para o tom grave e solene que percorre as páginas. Também devemos atentar para um outro fato que, em si, é diferente das intenções modernas em torno da arte literária. Homero não escreve para indivíduos, ele escreve para sua coletividade. A arte grega é comunal, diferente da arte burguesa, a nossa arte. Isso tem muitas implicações, tais quais: Homero não se detém em explicar quem são os deuses, ele os insere na trama simplesmente. Não há explicação do motivo de Zeus ser chamado, quase sempre, de Cronida. Os gregos sabiam, isso bastava para Homero. Nós conhecemos Zeus, apenas. As outras fazes desse deus, como a Zeus Cronida, não chegou até nós. Porém, qualquer dificuldade que os clássicos nos colocam é sempre para nossa grandeza e crescimento pessoais. É a busca.
Eu li essa epopeia pensando em Nietzsche. O filósofo fala que Homero é “o poeta das apoteoses”. Para minha surpresa, não é bem assim. Fui me dando conta aos poucos disso. O epíteto nietzschiano para o grego não é de todo correto. Ao ler a “Ilíada”, a sensação e o entendimento que mais transparecem é de que a obra é um canto fúnebre. Eis mais uma vez aquele tom de solenidade, agora ganhando um verniz ritualístico. Claro que, após as mortes desses personagens, muitos deles foram elevados ao Olimpo, mas não é esse o assunto central. Essa majestade fúnebre do poema ecoava o Réquiem, o de Mozart, sempre que pousava meu olhar em suas páginas. O início dessa música: estática, tranquila e densa, como o peso inexorável da morte.