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O poeta homérico de Touros

Homem cordial, enquanto viveu o escritor Nilson Patriota esbanjou talento e generosidade, ao valorizar os talentos, ao contrário da maioria dos nossos intelectuais que se esmeram em ocultar o valor alheio. Aqui o Fundador de Navegos, objeto de seu apreço, escreve sobre o seu último livro publicado, em 2006.

*Franklin Jorge

“Noturno de Touros” (Natal, 2006) magnifica o princípio poético desse autor que se nos deu a conhecer primeiro através de uma prosa sintética, consubstanciada em leveza, luminosidade e frescura, qualidades vivas e presentes no livro de estréia de Nilson Patriota, desde então um fino cronista, do mesmo elenco de Newton Navarro, Berilo Wanderley, Sanderson Negreiros, Woden Madruga, Zélia Freire…

Por toda a vida o oposto do espírito invejoso e rabugento que infesta e espreita dos bastidores da cultura oficial, provinciana, sempre hostil ao talento. Nilson, ao contrário, tem reiterado que o exercício da admiração por outro espírito amplia a nossa capacidade de compreender e sentir.

Autêntico homem de letras, na acepção clássica do termo, não vê o homem sem prazer. Um confrade a dispensar incentivos, a reconhecer e aplaudir o mérito alheio. Cascudo, Luís da Câmara Cascudo, o apelidou de Bom Jesus, numa alusão ao santo padroeiro de Touros. Sempre gostei de ver em Nilson Patriota esse ser integral, generoso, constante, cheio de fé, cujos defeitos são às vezes suas melhores virtudes. Ele é um desses de nós que creem uma salvação pela arte.

Escritor, jornalista, cronista, biógrafo, romancista, historiador, memorialista, animador cultural e, agora, poeta! Um poeta que viu infinitos crepúsculos; um poeta que acaricia a memória, nele hospitaleira e fecunda, indestrutível palimpsesto e farol, norteando sua milagrosa pesca de palavras.

Creio desnecessário referia o crítico, ao excelente crítico literário, leitor exemplar que é Nilson Patriota, um jovial patriarca das letras em tudo arguto e perspicaz, amoroso de uma música mais grave, mais triste, mais resignada, concatenada em prosa e verso. Um poeta-crítico, enfim, buscador infatigável da essência da poesia e dos segredos da realidade.

Autor de raro e precioso retrato do poeta homérico do Rio Grande do Norte, reivindicou para Ferreira Itajubá a mesma origem tourense. Um dos homens que mais tem pensado no curso de seus 75 janeiros, apreciador da felicidade da conversa, em certa época frequentava mais assiduamente a calçada do Café São Luiz. Trabalhando sem pressa, estreou em livro já maduro, ao regressar ao jornalismo diário nas páginas de A República, quando o conheci há uns trinta anos, prodigando camaradagem e exemplos. Ali fez brilhar a crônica, gênero por excelência tão brasileiro; uma crônica – a sua – plástica, alada, reunida em Voo de Pássaro, e um suplemento cultural que sobreviveu alguns anos, fazendo história.

Sua cruel clarividência é filha da atenção, da paciência, do escrúpulo. Homem vivido e de experiências feito, escreve em prosa em verso, cria e interpreta, amplia e socializa o saber, numa incessante evocação dos mortos; do espírito dos lugares que amou e perdeu; dos ancestrais; das mulheres; da luz e da música compõe Nilson Patriota a nota de tristeza graciosa que perpassa a tessitura lírica do que escreve.

Para Nilson, tudo é sagrado em Touros: a brancura esplendorosa das praias; a força cega do tempo; o enigma de uma vida anterior; a luz difusa e cambiante do mar; inefáveis e obscuras alegrias que remontam à mitologia de sua infância itinerante; a poesia límpida e furta-cor como a água; e para nós, seus admiradores, os versos desse delicado e misterioso “Noturno de Touros”, de cuja pauta fulge os fogos do outono.