*Franklin Jorge
Confissões de Renato Caldas, recentemente publicadas nesta revista plural e colaborativa, provocaram um certo frisson ao delatar uma realidade que expõe o descaso das autoridades e a forma como exploram, de maneira cínica e desavergonhada, no curso dos anos, o legado e a criação de alguns poucos que se afadigaram em produzir uma obra capaz de representa-los no futuro, como fez o próprio autor de Fulô do mato. Surpreendeu-me Renato ao expressar seu desgosto como uma vítima contumaz da exploração praticada por governantes contra os frutos de seu intelecto. Mas. entendi que ao fazê-lo, ele falava não apenas por ele mesmo, mas por muitos.
Sua denuncia tem tudo a ver com o que sabemos dos fatos. Tenho sido testemunho, no curso dos anos, dessa prática sistemática desavergonhada, por instituições e gestores que desrespeitam a lei e a um tempo dão provas da falta de respeito pelo trabalho intelectual e criativo de artistas e escritores. É comumente nós que gestores se apropriem de ideias alheias e as apresentem como de sua lavra. Seu desgosto é assim o desgostos de numerosos criadores, espoliados por gestores e governantes desprovidos de talento e sem, respeito pela cultura.
Em nossa penúltima conversa, num reencontro alguns meses depois de seu aniversário de 80 anos, pareceu-me o poeta além de impaciente, consumido pelo desgosto de quanto servira de agulha para tanta linha ordinária, ao emprestar o seu talento à exploração de políticos e governantes que jamais se dignaram a promover a publicação ou adquirir obras suas como um efetivo reconhecimento de sua contribuição à cultura local.
De fato, efetivamente, que têm feito os governantes do Assu por sua cultura, além de repetir mecanicamente ser essa a ‘’terra da poesia”? Não basta repetir esse mantra que, desprovido de ações, não passa de palavras vazias. Não basta espalhar versos de João Lins Caldas quando sabemos que o Assu, em nenhum momento de sua vida, lhe reconheceu o mérito da única forma razoável, justa e prática, que seria a publicação e difusão de sua obra.
A criação de uma secretaria de cultura nada significa efetivamente para a cultura se os seus titulares, por menos preparados que seja, tenham a boa vontade e a pertinência de arregaçar as mangar e se dispor a criar políticas culturais válidas e significativas. Para isto se faz necessário dispor não apenas de correligionários passivos, mas de pessoas qualificadas e bem informadas e aptas a fazer o que se faz necessário, além de criar conexões que extrapolem os limites geográficos provincianos.
Uma cidade que se envaidece de valores que não possui ou ignora o mérito de quem tem, repete apenas fórmulas sem vida. Creio que foi isto o que quis dizer-nos em seus derradeiros dias de vida o poeta Renato Caldas.
Corroboro o desgosto e as palavras do poeta ao lembrar aqui um encontro que tive, há muitos anos com o secretario de cultura do Assu. Ao visitar uma biblioteca criada em homenagem à escritora canônica do Vale do Açu, a mineiro-potiguar Maria Eugênia Maceira Montenegro, minha velha amiga e mestra então já falecida, lá surpreendi o próprio secretário, arrogante e despreparado, completamente desprovido de cultura e mesmo sem o mínimo resquício de educação, sentado em sua poltrona com as pernas estendidas sobre uma mesa que devia ser de trabalho. Recebeu-me impando de vaidade. Não conversamos senão o suficiente para ficar claro que o secretário de cultura não tinha nenhum projeto nem tivera a humildade de procurar pessoas capazes de instrui-lo e orienta-lo nesse mister. Certamente terá sido nomeado por injunções político-partidárias, não por mérito nem por seu notório saber. É gente dessa laia, que tenho deparado em todos os municípios com gente dessa laia como representantes da cultura oficial. Incapaz de dissociar a cultura de eventos da verdadeira cultura que se faz com saber e conhecimento…
Curioso que o então prefeito de plantão, ao mesmo tempo em que dava provas de seu apreço pela memória da escritora mineiro=potiguar, cometesse tal erro: o de nomear para cargo tão importante alguém tão pobre de espírito e de recuros intelectuais.