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O presente de Keats

Autora de Prolerteka, o “livro do ano” escolhido pela revista Times, escritora suíça que escreve em italiano detentora do Prêmio Rapallo, mergulha o leitor no enigma de poeta inglês.

*Fleur Jaeggy

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Na sociedade sua conversa era brilhante, ele fazia trocadilhos e seus acessos de riso eram altos e prolongados. Achavam-no irresistivelmente cômico quando imitava os gestos de alguém. Se a conversa não lhe interessava, retirava-se para um canto da janela, meditava e olhava para o espaço, os amigos deram-lhe aquele canto como se lhe pertencesse por direito.

Se um rosto, como diz Herder, nada mais é do que um espelho da alma [Spiegelkammer], devemos ficar um pouco assustados com a variedade de expressões de Keats. No entanto, surgem dúvidas. Quando Keats escreve: “Pensei tanto na Poesia”, não vemos nos espelhos nenhum retrato de Keats; os espelhos permanecem vazios, desabitados. Vemos a ideia sem fisionomia, embora possa tê-la de qualquer coisa, mas teologicamente é mais bonita se estiver vazia.

Keats não consegue examinar a si mesmo. O dom de Keats está em não saber como se reunir. A identidade de uma pessoa que está com ele na sala começa a pressioná-lo e é anulada em um instante. Quando Keats fala, ele não tem certeza de que está falando. Quando ele sonhou que estava flutuando em um turbilhão do Inferno de Dante, canto V, foi uma das maiores alegrias de sua vida.

Fleur Jaeggy

Conjectural Lives

Tradução: María Ángeles Cabré

Editora: Alpha Decay

Foto: Fleur Jaeggy

Crédito: New Directions e Adelphi