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O presidente Parrudo na tradição popular

Em colaboração com o Instituto Ludovicus, Navegos retorna às publicações das Actas Diurnas, do Mestre Câmara Cascudo. Na presente crônica, a mistificação popular de um dos mais escandalosos personagens das crônicas potiguares, homem mui perfumado e de hábitos finos, que como um Don Juan dos trópicos, enfeitiçava de encantos despudorados as virgens curiosas da sociedade.

*Luís da Câmara Cascudo

[email protected]

O Dr. Manuel Ribeiro da Silva Lisboa, assassinado em Natal a 11 de abril de 1838, nascera na cidade do Salvador, na Bahia, em maio de 1807. Tinha, ao morrer, 31 anos. Sua morte impressionou fundamente a imaginação popular. Dezenas de versões, lendas e histórias vieram de geração em geração, rememorando o episódio sangrento. Quem examina, nos arquivos, a administração de Silva Lisboa, sua mensagem, ou Fala, publicada na A REPÚBLICA de fevereiro de 1897, admira a inteligência, perspicácia, energia e originalidade prática de suas idéias, atos e programa. Pôs muita coisa em ordem. Disciplinou gente habituada a não obedecer. Irritou, mas construiu.

Uns versinhos, da musa anônima do Povo, registraram a morte do Presidente que já trazia o apelido de Parrudo. Parrudo quer dizer baixo e robusto, atarrancado. Na linguagem popular diz-se torado no grosso. Parrudo era elegante, vestindo bem, barba negra, curta, aparada, olhos castanhos, homem de hábitos finos. Perfumava-se em tal abundância que ia deixando uma atmosfera olorosa onde passava. A avó de Francisco Artemio Coelho, menina de doze para quinze anos, morando na Rua de Santo Antônio, contava que vira muitas vezes o Presidente Parrudo passar, a cavalo, com suas ordenanças, enchendo de perfume toda a rua.

Atirava maravilhosamente bem e era esgrimista emérito. Contam que uma vez chegando, com seu Ajudante d’Ordens Antônio José de Moura, à Casa do Governo, na Rua da Cruz, encontrara, inexplicavelmente, a porta cerrada e uma janela aberta, alta de mais de metro. Recuando, ágil, Parrudo a transpôs, num salto brusco, certo, como se fizesse ato diário.

Os versinhos, comentando sua morte e reproduzindo a impopularidade em que caíra, assim dizem:

A 24 de agosto

Do ano de 37

Veio ter ao Rio Grande

Um mal maior que a peste.

 

De família era fidalgo,

Nos gestos era valente,

Nas feições era bonito,

Da Província o Presidente.

 

A 11 do mês de abril

Às  quatro horas da tarde

Mataram o Presidente

Para nossa felicidade.

 

Fugiram sem mais demora

Antes que chegasse a mais.

Também já se despediu,

O grande Juiz da Paz…

 

Por balas foi trespassado

O seu bárbaro coração.

Não o livrando da morte

O seu bravo Capitão.

 

Bem que me parece certo

Aprovar este dizer:

Que por não ouvir conselhos

Foi condenado a morrer…

 

Era homem tão malvado

E tão sem entendimento,

Que com ele se retiram

O Morais e o Sarmento.

Não foi possível descobrir as outras quadras. Sarmento era o comandante da Tropa de Linha. O grande Juiz de Paz era Manuel José de Santana Araújo, conhecido por Santaninha. Os outros amigos de Parrudo eram o Dr. Cipriano José Barata de Almeida, o famoso Doutor Barata, Joaquim Romão Seabra de Melo, da Tesouraria Provincial, José de Castro da Silva, professor de latim e oficial de gabinete. Era secretário do Governo João Carlos Vanderlei e chefe de polícia o Dr. Joaquim Aires de Almeida Freitas, que substituiu Parrudo na Presidência da Província, como vice-presidente.

Lourival Açucena, então com doze anos de idade, recordava de haver assistido o enterro de Parrudo. Lembrava-se de ter visto Doutor Barata, com a grande cabeleira toda branca, cobrindo-lhe os ombros, seguindo o féretro, chorando alto e gritando: – “Eu não te dizia, teimoso! Eu não te dizia, teimoso!”. E as lágrimas iam descendo pelo rosto…

Enterraram-no na Matriz. Parrudo, bacharel em 1833, governou a Província de Sergipe em 1835. Resta, de sua vida, as lembranças na literatura oral norte-rio-grandense e as linhas finas e simples, do seu registro de óbito.

“Aos onze de abril de mil oitocentos e trinta e oito faleceu da vida presente assassinado, sem sacramento algum, o Exmo. Presidente o Dr. Manuel Ribeiro da Silva Lisboa, branco, casado com D. Maria Francisca, foi sepultado nesta Matriz envolvido em seu uniforme, encomendado solenemente por mim; para constar mandei fazer este termo em que assinei – (a) CANDIDO JOSÉ COELHO, Vigário Interino”.

E nada mais…

A República, Natal, Terça-Feira, 23 de Janeiro de 1940.

Fonte: Acervo LUDOVICUS – INSTITUTO CÂMARA CASCUDO