*Enrique Vila-Matas
É o caso de Joseph Conrad, que, um dia em alto mar, decidiu passar para um marinheiro rude chamado Jacques o manuscrito de seu primeiro romance, Almayer’s Folly. Conrad perguntou se ele ficaria muito entediado lendo algo com uma caligrafia como a dele, e Jacques respondeu que não, e ele o fez com um tom de polidez inesperado e acrescentando: “Eu vou ler esta noite.”
Escolher um cão do mar grosseiro como meu primeiro leitor era correr um risco desnecessário. Mas às vezes esses transes abrem grandes portas. Na manhã seguinte, Conrad se aproximou de Jacques e, com a voz trêmula, perguntou se ele estava interessado no que havia lido. Após um breve mas tremendo silêncio, obteve esta resposta: “Acho que sim!”. Conrad então quis saber se a história havia sido clara para ele. “Claro, perfeitamente”, disse seu primeiro leitor.
Conrad nunca poderia esquecer os detalhes daquele momento: a cortina do beliche balançando de um lado para o outro, a lâmpada da antepara traçando um círculo sobre o cardan.
Jacques não acrescentou mais uma palavra, mas sua resposta sóbria abriu um grande caminho. É assustador pensar no que teria sido dos leitores de Conrad se aquele marinheiro, sem saber, tivesse a alma de um estripador de clássicos. Ou eggcracker crítico.
Enrique Vila-Matas
Perigos do primeiro leitor
Artigo publicado no El País, 25 de março de 2014
Imagem: Conrad e os cinco meninos no convés do Torrens, 1892