*Por Luis da Camara Cascudo
O primeiro sobrado em Natal ainda existe. É o de no. 601, na rua da Conceição. Está modificado ligeiramente no telhado. Amputaram-lhes os finais do beiral em cauda de andorinha, de sabor notadamente colonial. A exigência de platibanda alterou-lhe a fisionomia, marcadamente aristocrática, denunciando solar, ao gosto ainda fidalgo, mas já semiburguês do século XIX. Vive a varandinha, projetando a porta de honra do andar, lembrando a época em que as colchas vistosas eram estendidas à passagem processional da Padroeira, levada, em lenta e oscilante marcha, pelos fiéis de outrora.
O primeiro sobrado foi mandado construir pelo capitão-mor José Alexandre Gomes de Melo, senhor de Pitimbú, o mais lindo, o mais desejado, o mais famoso sítio na freguesia de Nossa Senhora d’Apresentação.
Esse Gomes de Melo era filho de Antônio Teixeira da Costa e D. Tereza Antônia de Melo. Casou com D. Joana Evangelista de Vasconcelos. Carlos José de Vasconcelos e D. Josefa Maria da Conceição eram sogros do capitão-mor. Gente de bom sangue. Antônio José de Souza Caldas, o fundador dos Souza Caldas no Rio Grande do Norte, maridara com uma outra filha do casal, D. Josefa Maria Nazaré.
José Alexandre Gomes de Melo era da primeira linha social. Pertenceu ao Conselho do Governo, sendo um dos seis primeiros Conselheiros, o segundo na ordem da votação, no pleito de 25 de março de 1824. Fez parte igualmente do Conselho Geral da Província, eleito a 18 de novembro de 1828. A apuração, a 2 de fevereiro do ano seguinte, na Igreja de Santo Antônio, forneceu-lhe o diploma e sua posse se deu a 30 de novembro de 1830, dia da sessão preparatória. Era um dos treze e encontro seu nome presente à última reunião, de 31 de janeiro de 1834, ano em que foi extinto o Conselho Geral da Província pelo art. 1º da Lei de 12 de agosto de 1834 (chamado Ato Adicional), substituindo-o pela Assembléia Legislativa Provincial. O Conselho era um ensaio legislativo em ponto mirim.
Gomes de Melo freqüentou assiduamente todas as quatro sessões do Conselho, opinando com dignidade e clareza. Era homem inteligente, original e prático, tendo idéias e sabendo-as discutir. Numa sessão, a 3 de fevereiro de 1832, propôs reduzir as férias escolares, que eram de 8 de dezembro a 2 de fevereiro, ao curto prazo de dezessete dias, isto é, de 21 de dezembro a 6 de janeiro, por lhe parecer não só desnecessárias como opostas ao progresso da instrução da mocidade. Discutida a 3, 6 e 9 de fevereiro, foi a proposta adiada a 10. Um seu parecer sobre a fonte da Bica, onde a população retirava a água para beber é dos nossos dias, pela lógica e veemência argumentadora.
Votado deputado à legislatura inicial da Assembléia Provincial, 1835-37 (obteve 28 votos), sendo presidente da mesa eleitoral, instalada na Matriz do Natal, a 10 de novembro de 1834, foi deputado à seguinte, 1838-39, positivando o prestígio.
Grande proprietário em Natal, era senhorio do Conselho Geral que lhe alugara uma casa. Pitimbú, invejado pelos Anjos do Céu, dizia do conforto em que vivia o capitão-mor, conhecido, depois da primeira década do século XIX, por “coronel”.
O sobrado da rua da Conceição começou a ser feito em 1818 e terminou em 1819 ou 1820. Não há notícia de um outro em tempo anterior. Os da rua do Comércio são de 1847 e 1850. O casarão de Joaquim Inácio Pereira Sênior, também na rua da Conceição, é muito posterior, assim como o Vaca Amarela, de onde saiu o atual Palácio do Governo.
O velho coronel Manuel Leopoldo Raposo da Câmara, que nasceu em setembro de 1810 e faleceu, com 95 anos feitos em novembro de 1905, recordava-se, dizia-me seu filho, o Dr. Augusto Leopoldo, de haver brincado, em 1818 ou 1819, nos alicerces e paredes emergentes do edifício que se levantava na rua da Conceição. Até pouco tempo lia-se a data, sobre a moldura da porta. Era sobrado residencial, um luxo para aquele tempo e único em sua espécie, depois da Casa da Câmara que se reunia num piso superior da Cadeia. O sobrado do coronel José Alexandre Gomes de Melo, de onde provém os Seabra de Melo, era uma das maravilhas na mui nobre e leal Cidade do Natal do Ryo Grande…
A República, Natal, Domingo, 03 de dezembro de 1939.
Fonte: Acervo LUDOVICUS – INSTITUTO CÂMARA CASCUDO