*Alexsandro Alves
Apreciar ópera não é fácil. Já foi, sem dúvida, a arte mais popular na Europa, exportada para qualquer colônia europeia como símbolo da civilização.
Nos grandes centros europeus, o teatro de ópera ocupava lugar de destaque no urbanismo da cidade. Durante o ciclo da borracha, a elite da Amazônia, como símbolo de seu status, construiu o Teatro Amazonas, um teatro de ópera.
Mas aí veio o cinema e a grande tarefa de entreter as massas migrou da Europa para os Estados Unidos.
As semelhanças entre ópera e cinema são muitas. Ambos os gêneros utilizam todas as formas de arte e de linguagem disponíveis. O que muda é a organização desses recursos para a coerência estrutural geral da obra, na ópera, quem a confere é a música, enquanto no cinema é a imagem editada.
Porém a ópera, para um certo gosto contemporâneo, soa antiquada e artificial. Por quê?
Todas as artes têm seus clichês. Esses clichês são como categorias sociais que permeiam a construção de cada arte.
Por exemplo, em um filme de terror sabemos que a moça loira que acabou de manter relações sexuais com seu namorado será assassinada em seguida. Esse clichê espelha certa moralidade do código sexual imposto aos sexos, é uma punição pelo prazer fora de hora.
A ópera também tem seus clichês e, como qualquer clichê, é proveniente de categorias ou tipos sociais. Tais, de certa maneira, podem dificultar a apreciação correta do gênero.
Por exemplo, a interrupção da ação para que os intérpretes executem suas imensas árias da capo. Esse clichê cumpria uma função social bem delimitada: no período barroco. Era em momentos assim que o público se alimentava em pleno auditório, sem se preocupar com o desenvolvimento da ação ao mesmo tempo que assistia a sua prima donna favorita executar as acrobacias vocais quase impossíveis de uma partitura de Vivaldi.
Hoje, essa função social e estética não existem mais. Primeiro que ninguém se alimenta no auditório e segundo, a época das grandes divas passou. Hoje, a ação deve ficar em primeiro plano e essas árias imensas recheadas de piruetas vocais e coloraturas tendem a ser cortadas para que a ação progrida. Afinal, é teatro.
Mesmo que se compreenda isso e outros clichês, a ópera ainda permanece inalcançável para alguns, por conta de outros aspectos que lhe são inerentes.
Esses outros aspectos dizem respeito à maneira de execução da música por parte dos cantores: o público de hoje não compreende o canto lírico – o que é efeito da redução da capacidade auditiva.
De forma que assistir a uma cantora ou a um cantor executarem uma Una voce poco fa ou uma Che gelida manina pode ser um momento de confuso estranhamento e nisso, a apreciação se perde.
A maneira como os cantores elevam e abaixam, sucessivamente, as vozes, pode gerar e gera desconforto em ouvidos habituados com a música popular, onde do início ao fim da música, as variações de dinâmica são quase nulas: o canto popular não é impostado, é um canto mais natural, e por isso, muito pouco variável. A emoção, na música popular, tende a permanecer inalterada.
Por exemplo, o samba: Ah! Como eu amei (Jota Velloso/Ney Velloso), muito popular na interpretação de Benito di Paula, quanto mais a música avança, mais parada, estacionada, emotivamente, ela permanece, durante seus 3:14 min., vivenciamos o mesmo tom saudosista inicial da melodia, a base rítmica também permanece inalterada ao longo da composição. Alguma variação possível tende, quase sempre, para a diminuição da expressão e o intimismo.
É difícil uma ária operística permanecer tão estável musicalmente e, sobretudo, emocionalmente. Em 3:14 min., uma ária pode variar de um tom mais ameno para um crescente de ira, para em seguida ganhar a ternura de um tom amoroso e concluir com bravura.
São proposições emotivas bastante díspares que põem em evidência a dificuldade, sobretudo auditiva, que percorre a apreciação de ópera modernamente.