*Louis-Ferdinand Céline
Louis-Ferdinand Céline: Mas não é nada, nada. Um para por um segundo e depois diz: “Ah! Tenho uma ideia!”… Numa sala há milhares de ideias. Você nunca ouviu isso dizer…? Dez pessoas estão numa sala e uma delas diz: “Ah, se Virginie começasse a escrever… ela tem um jeito tão bom de escrever para a tia… ela poderia escrever romances”, etc. Histórias, você entende? Na verdade, Virginie tem ideias, não é?…
Robert Sadoul: Mas ela não sabe como explorá-los.
Louis-Ferdinand Céline: Não, não explorá-los, mas colocá-los no papel, o que é outra questão. Aí deixa eles ficarem na página e, além disso, as ideias não têm nada a ver com isso, entendeu? É uma forma, uma espécie de coincidência, de conjunção de acontecimentos relevantes. Vou te contar uma coisa sobre isso. Certa vez, conto isso no Professor Y , muitas vezes tive que ir à margem esquerda do Sena. Eu ia pela margem direita, pela praça Clichy, ou pela praça Pigalle. E eu disse a mim mesmo: há vários caminhos para ir, ou vou a pé, ou de metrô, ou de bicicleta, ou de ônibus. Usei todos os meios e descobri que andar a pé, de bicicleta ou de ônibus era muito complicado: paravam em cada esquina, batiam em você, você nunca chegava, tinha que estar sempre alerta… quando eu era jovem, eu olhava para as moças bonitas, frescas e fogosas, que obviamente chamavam minha atenção… eu era jovem… e então me deparei com policiais, cachorros… sempre recuando, enfim, um milhar de problemas. Enquanto quando você vai de metrô você está embaixo, uau!, e eu cheguei em Issy-les-Moulineaux, que era meu destino, imediatamente, depois de algumas estações, a única coisa que tive que fazer foi sentar, e então chegou um. Então disse a mim mesmo: esta é uma questão prática. Teria que ser escrito da mesma forma que o medidor. Então, o medidor é o primeiro assunto. Como fazer? O que entra em jogo não é o verbo, mas a emoção. Agora, veja você, Sadoul, como o mundo é um mundo, as coisas foram contadas… não desde que o mundo foi um mundo, mas porque os homens têm uma grande bagagem verbal, que não tinham quando eram primitivos, muito primitivo, porque ali, em vez de palavras, eles tinham emoção. Nas Escrituras está dito: “No princípio era o verbo.” Não. Não, não, não, não foi assim. No começo foi emoção. Temos um professor de biologia, Savy, um homem eminente, que disse muito bem: “No começo era emoção”. No começo tudo é emoção. Assim, uma ameba, um protozoário, qualquer animal primitivo, reage ao ser tocado, se emociona; um fagócito… vivemos graças à excitação dos fagócitos, que atacam os micróbios, etc. O verbo está aí para substituir a emoção, essa é a verdade. Assim, dois amantes, quando começam a conversar, já não têm mais verdadeiramente…
Robert Sadoul: Está tudo acabado agora.
Louis-Ferdinand Céline: Acabou, acabou, certo? Um caso ocorre em silêncio. A partir do momento que não há silêncio, não há nada, certo? Aí você vai me dizer: como você vai fazer isso? O segredo é deformar… deformar o estilo, para captar a emoção. Essa emoção, de onde vem? Ah… Isso vem da natureza pessoal, todo mundo tem emoções, não precisa ser culto… Um demagogo… um logógrafo não é emotivo, um charlatão não excita… Mas você tem que procure emoções, você tem que capturá-las. Capturá-los como? Essa é a grande dificuldade! Por exemplo, suponhamos que amanhã matem o presidente da República, o presidente do Tribunal de Justiça… ou que haja uma violação que apareça por todo o lado… algo extraordinário… bom. Naquele momento você vai a um café, a uma loja, a uma praça, você vê todas as pessoas reunidas, algumas conversando, fazendo frases. Que procuram? Eles procuram o tom emocional. O tom emocional da situação que se apresenta, eles procuram o tom. E assim que encontraram o tom, ficaram felizes. É o tom do acontecimento, o tom emocional do acontecimento, que é procurado em conversas específicas. A esplanada de um café, com toda aquela gente sobrecarregada que bebe álcool, que se embriaga e que já não tem… Procuram emoção, certo?
Robert Sadoul: Você está procurando emoção ou matando a emoção que você tem dentro de si?
Louis-Ferdinand Céline: Ah, não, não, não. Eles procuram por ela. Ah, os pobres infelizes… eles nem são infelizes, não são capazes de matar, não são capazes de nada, são brutalizados demais para matar qualquer coisa. Eles balbuciam… copiam gestos para chegar… chutam as coisas, mas nunca conseguem nada. Mas você tem que encontrar a emoção, o tom emocional… e então permanecer aí. Então, uma vez encontrado o tom emocional que você procurava, você pega o estilo e torce, né?… de uma certa forma, ou aperta… essa é a grande dificuldade, a enorme dificuldade. A coisa se apresentou… Então a gente tem um estilo, se é que se pode dizer isso… a famosa história de “o estilo é o homem” durou um tempo, né?, e então, por exemplo, é impossível temos neste momento o mesmo estilo de 1900. Por quê? Porque muita coisa aconteceu, muita invenção cruzou o estilo, virou mingau. O estilo Paul Bourget, o estilo Anatole France, tudo isso é impossível porque… É possível quando fazemos arqueologia, quando nos apoiamos com nostalgia no passado. Obviamente, entendo muito bem o prazer que se pode sentir ao escrever assim. Mas não é atual. E a mensagem também não é atual, nem a mensagem nem nada parecido. O estilo emocional é a única coisa que resta ao homem, porque o problema… a mecânica abrange tudo. Vamos à descrição… cinema faz muito melhor, né? Os impressionistas deixaram o ateliê. Tinha os retratos, as pinturas… Le Radeau de la Méduse , certo? Bem, ninguém quer mais fazer um Le Radeau de la Méduse. Óbvio que com o romance, agora, um romance excelente, um romance admirável como esse do… tipo… não quero machucar ninguém, mas ei, romances excelentes, né? São escritos com luz de ateliê.. … são escritas como a pintura da época de Jean-Paul Laurens. Maria Chapdelaine , por exemplo, que é… uma coisinha muito simpática, né?, mas ela não é emotiva, ela é uma descrição, a insistência nas situações, etc. Bom. Mas para isso tem muitos truques, tem a medicina, que avançou muito, a pesquisa, que se multiplicou, que informa tudo isso… não precisa ficar procurando nos livros, né ? Enquanto a emoção… ficamos com a emoção. Porque, por exemplo, é preciso dizer, né?, os atos essenciais da vida repousam na emoção, e não vou insistir mais… porque não quero assustar o rádio.
Louis Ferdinand Céline
Entrevista publicada pela primeira vez no número 280
da Le Magazine littéraire (setembro de 1990)