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O Quinze em adaptação de Shiko

Marco do ficcionalismo regionalista, romance de Rachel de Queiroz inspira Quadrinhos

*Renato Medeiros

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O incentivo a leitura é sempre bem-vindo, venha ela seja pelo governo ou iniciativa privada o importante que venha.  Os obstáculos para o acesso a leitura são muitos devido o preço, livro é caro, educação precária, ainda somos um país de muitos analfabetos de escrita quanto funcionais. Além disso existe a má vontade das autoridades e de parte da sociedade letrada e que detém poder monetário e político no país que não vê a educação como investimento, mas pensa como despesa, triste sina do país desde o descobrimento.

Mas quando observamos leis capazes que visam incentivar a leitura, buscando igualmente, o fazê-lo de forma prazerosa e lúdica utilizando o quadrinho como exemplo é algo de ser louvado e apreciado. Essa iniciativa do Governo Federal deveria ser política de Estado e não de um Governo passageiro, devido como se sabe sempre o político que assume desfazer o que existe de positivo do que passou, triste sina do país.

Uma obra que foi produto de leis que incentivam a leitura através de verba de aquisição de livros para implementar o acervo de bibliotecas de escolas do Estado e do Município do país foi um acerto. Mas a idéia não parou por aí, houve incentivo através de editas de adaptações de obras canônicas da literatura brasileira, como o Quinze de Raquel de Queiroz feita pelo desenhista e roteirista Shiko para os quadrinhos, por exemplo. Decisão a meu ver acertada, já que o tema, a meu ver une dois interesses que pode chamar a atenção do jovem nordestino, a seca e a situação de penúria e necessidade humana do homem do sertão.

O tema dos retirantes, da penúria e miséria são expostos na escrita de Raquel de Queiroz que denuncia o descaso e falta de empatia das regiões mais ao sul do país. O responsável pela adaptação dos quadrinhos é de Shiko que procurou manter-se fiel a autora. Uma clara demonstração de respeito e fidelidade, um compromisso com a mensagem da história que é grandiosa e uma denuncia das mazelas e descompromisso das autoridades com o povo nordestino. A competência do traço de Shiko já é sabida, mas acompanhada da aquarela com predominância do amarelo, marrom, creme e vermelho chama atenção na composição e clima da história. O predomínio na paleta de cores quentes misturadas com cores mais frias, desbotadas até, durante toda a hq, busca evocar o clima quente e miserável da caatinga nordestina. Pode-se sentir o sol através da vermelhidão da pele queimada, da fome através do amarelo e da penúria por meio de cores cremes e marrons que destacam os conflitos e ressaltam as emoções ou não dos personagens.

A simbiose entre o texto de Raquel de Queiroz e os desenhos de Shiko tornam a obra atrativa para leitores iniciantes que tem o primeiro contato com a obra e através do quadrinho. Isso faz com que o estudante evite ler a obra original? Não acredito nisso, pelo contrário, o primeiro contato feito de forma prazerosa é o que faz o leitor tomar gosto pela leitura e prosseguir sozinho esse caminho, claro sempre torcendo que se torne um incentivador também de leitura. Nesse sentido, o quadrinho torna-se uma ferramenta essencial de divulgação da leitura, além de incentivar o consumo dos próprios livros fontes da adaptação. Nesse jogo todos ganham, mais ainda os próprios leitores.

Adaptações de livros para os quadrinhos é complicado, aliás qualquer adaptação é difícil e cheia de armadilhas, seja pela dificuldade da língua natal do escritor ou pela dificuldade de adaptar uma mídia escrita para uma outra que alia a imagem a escrita como o quadrinho.  No caso do “O quinze” de Rachel de Queiroz é uma narrativa maravilhosa tanto no original quanto no quadrinho. No caso da adaptação, penso que Shiko conseguiu acrescentar algo a mais com sua arte a obra. Sua influência sobre a adaptação se concentra na arte e na capacidade de síntese do texto de Rachel para as páginas da hq. Pode-se ver na expressão de cada personagem, no sofrimento, na imagem do fundo da paisagem seca e das carcaças de animais famintos. O destaque da importância da fé, da religiosidade do povo nordestino é bastante destacado nas páginas feitas por Shiko.  As lembranças de familiares deixados para trás com a retirada, a busca de fugir da seca que castiga a caatinga do nordeste, a fome, a miséria, o egoísmo e demais intrigas e conflitos que envolve a seca e seus desdobramentos.

Enfim, Shiko como sempre produz uma interpretação magnifica da obra de Rachel de Queiroz sem traí-la, confirmando ser um dos maiores quadrinhistas do país. Ele vem tratando de temas polêmicos e complicados de maneira competente, sempre buscando mostrar uma interpretação inédita sobre determinado assunto. Espero que tenhamos mais adaptações para os quadrinhos de obras consagradas da literatura brasileira, sempre é uma boa notícia e é bem-vinda. Aguardo para mais adaptações literárias e espero que consigamos fazer mais quadrinhos com tamanha consequência do que fez Shiko. Abraços a todos e até.