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O reinado do milho

Colaborador de Navegos assistiu e comenta seriado inspirado em importante obra cascudiana e ressalta a contribuição do milho à civilização no Brasil.

*Alexsandro Alves

“Uma planta sem mistério é uma planta botânica e etnicamente desmoralizada”, assim começa o segundo episódio da série História da Alimentação no Brasil, da Amazon, baseada na obra do Mestre Cascudo. O milho, que originou ao menos uma civilização inteira, os Maias (filhos do milho, na língua desses aborígenes), chegou ao Brasil via Colômbia. Mas essa iguaria, hoje tão popular e diversificada no cardápio brasileiro, era muito pouca valorizada pelos índios, que preferiam a mandioca. A nobreza do milho foi descoberta pelos portugueses e pelos africanos. É basicamente destes povos que, mesmo que tenha origem ameríndia, a descoberta do milho é portuguesa e negra. Para os índios, o milho era sinônimo de gulodice. Os pratos que fazemos com base no milho, como bolos, canjicas e pudins, bem como mingaus, angus, mungunzás e pipocas são criações portuguesas e africanas respectivamente.

A culinária em torno do milho, bem como da mandioca, do episódio anterior, são maneiras de Cascudo de unir o povo do país enquanto nação. O reconhecimento da existência de uma culinária nacional, tipificada por ingredientes ameríndios, embora que com receitas estrangeiras, algumas vezes adaptadas para os ingredientes locais, por portugueses e africanos, é uma maneira que Cascudo encontra de mostrar uma origem do povo brasileiro. A escrita de Cascudo é étnica na mais audaciosa empreitada que um autor de fôlego brasileiro jamais empreendeu antes ou depois. Cascudo funda o Brasil ao nos revelar sua culinária. Se é importante que cada país tenha sua literatura, sua música, seu teatro nacionais, da mesma forma a culinária participa desse corpo étnico e etnográfico. Cascudo desenha o brasileiro na comida. Nesse sentido ele alcança e por vezes ultrapassa a grandeza de um Gilberto Freyre ou de um Sérgio Buarque de Holanda, também profundos estudiosos e desbravadores de nossa alma nacional.

Hoje o milho entra em nossas casas muitas vezes sem pedir licença ou de maneira que muitos nem sabem de sua presença. A indústria de alimentos abraçou o milho de tal forma, que ele é o alimento mais processado no mundo inteiro. O que afasta o milho de seu comprometimento inato com a saúde. Além disso, há a emergência do milho transgênico, muito cercado de polêmicas. Se olharmos para os EUA hoje, notaremos quão aquele povo é obeso, a indústria alimentar cuidou de retirar a saúde daquela gente. Nesse cenário, o milho processado em forma de licores doces para o café de manhã, xaropes de milho e óleo de milho, contribuem para a má alimentação naquele e em outro país industrializado. Uma outra coisa, além do nacionalismo de Cascudo, que fica bastante evidente nesse documentário, é o quanto o afastamento da natureza provoca a destruição do homem em seu mais íntimo significado, a sua saúde.