*Tereza Custódio
A União Brasileira de Escritores UBE/RN, através de seus associados, vem, nesse IX Encontro Potiguar de Escritores – EPE, prestar homenagem aos escritores, in memoriam,que pertenceram a essa entidade cultural e muito colaboraram para a cultura do estado.
Nesse cenário atual da pandemia que assola o mundo, a arte parece ser necessária para suprir carências de seres humanos fragilizados. Mesmo sem sairmos de casa e termos de passar horas infindáveis nesses minúsculos espaços, temos nos alimentado de outras linguagens artísticas e culturais através de visitas on line a bibliotecas, livrarias e museus.
Muitos livros saíram das prateleiras e passaram a ser lidos. Enfim, a arte desvalorizada por alguns é que está alicerçando a sociedade nesses dias sombrios em suas múltiplas facetas, permitindo-nos refletir sobre as nossas vivências e o nosso papel na sociedade.
Reporto-me aqui a Bert Hellinger, escritor, teólogo, terapeuta nascido na Alemanha em 1925, falecido aos 93 anos, inventor da Constelação Familiar. Em seus livros, ele fala da importância de honrar nossos ancestrais, aqueles que vieram antes de nós, para que possamos cumprir com o papel que nos foi dado. Nós, palestrantes do IX EPE, não temos parentesco e nem laços de sangue com os doze escritores (in memoriam) que estão sendo homenageados, mas podemos honrá-los, cultuar suas memórias e agradecer pelo tinteiro que nos foi legado, mergulhar nosso bico de pena e dar continuidade ao trabalho da escrita, independente da cor da palavra.
A minha fala é sobre Edgar Ferreira Barbosa, escritor e um ser humano admirável.
O nome Edgar Barbosa surgiu-me pela primeira vez quando eu, ao terminar o curso de Letras na UFRN, em 1980, fui indicada para dar aulas na Escola Estadual Edgar Barbosa, na rua Miguel Castro, no bairro Lagoa Nova, em Natal. Fui uma das primeiras professoras a adentrar as portas dessa escola profissionalizante de primeiro mundo. A Escola Edgar Barbosa fora equipada com ajuda financeira do governo americano. Assim, os professores escolhidos para ensinar nesse estabelecimento de ensino tiveram de fazer um curso de 120 horas para poderem trabalhar com videocassete, slide e outros aparatos inovadores para a época.
A segunda vez que o nome do professor Edgar Barbosa me apareceu foi no VII Encontro Potiguar de Escritores – EPE 2017, ocorrido no Teatro de Cultura Popular – TCP, momento em que me tornei membro da UBE/RN. Tomei conhecimento via Eduardo Gosson, presidente da UBE/RN, que Fagundes de Menezes, escritor potiguar radicado no Rio de Janeiro, veio a Natal, em 1959, com a missão específica de negociar e fundar a União Brasileira de Escritores, seção Rio Grande do Norte. Tal fato ocorreu durante a realização do I Encontro Potiguar de Escritores – EPE, em 14 de agosto de 1959. O evento foi encabeçado pelo professor Edgar Barbosa, com o objetivo de fomentar a cultura e dar apoio aos escritores potiguares de quaisquer posicionamentos ideológicos ou político-partidários.
Edgar Barbosa, Câmara Cascudo e outros três membros compuseram o Conselho Fiscal da UBE, cargo que ocupei posteriormente. Daí eu pensar que estamos em sintonia.
Nesse IX EPE escolhi falar sobre o escritor Edgar Barbosa, mas fiquei receosa por dispor de poucas informações sobre sua vida e obra. Ao pedir ajuda ao ceará-mirinense, Franklin Jorge, sobre o escritor Edgar Barbosa, descubro, para minha sorte, que o jornalista era da família do próprio Edgar Barbosa (pelos Ferreira da Cruz), o que facilitou o meu trabalho.
Afinal, quem foi Edgar Barbosa?
Edgar Ferreira Barbosa nasceu em 16 de fevereiro de 1909 em Ceará-Mirim e faleceu aos 67 anos, em 15 de fevereiro de 1976, ano em cheguei a Natal. Passou a infância em Ceará-Mirim e, em 1921, aos 12 anos, veio para Natal onde estudou no Colégio Marista até 1929. Trabalhou em jornais, dentre eles “A República”, iniciando aos 18 anos como revisor, depois chefe-redator, chegando a Diretor da Imprensa Oficial. Casou-se jovem, aos 21 anos, com a pianista Dolores Albuquerque e teve 4 filhos.
Formou-se aos 23 anos, em 1932, na Faculdade de Direito do Recife. Foi um dos fundadores da OAB/RN. Exerceu a profissão de advogado por pouco tempo, pois logo resolveu abraçar a magistratura, como Juiz Federal substituto em 1937. Professor de Português do Atheneu e da Escola de Aprendizes de Artífices (IFRN), ocupou a cadeira nº 5 da Academia Norte-rio-grandense de Letras chegando ao cargo de presidente.
Foi membro de honra da Aliança Cultural Franco-Brasileira, Presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Brasil-Estados Unidos, Redator-Secretário da Revista do Tribunal de Justiça e Presidente do Rotary Clube.
Professor de Direito Constitucional e Legislação de Menores, de Direito Internacional e Teoria Geral do Estado da Faculdade de Direito de Natal, da qual foi um dos fundadores. Foi professor, também de Filosofia Românica e Literatura Brasileira e Portuguesa da Faculdade de Filosofia de Natal, de onde foi Diretor. Juntamente com Onofre Lopes, ajudou a criar a UFRN. Foi o fundador da Faculdade de Filosofia que deu origem à criação do Centro de Letras e Arte da UFRN.
Edgar Barbosa era erudito, dominava qualquer assunto de áreas diversas. Era tímido. Um jornalista sério, comprometido com uma imprensa democrática. Valorizava a ética e a moral ea verdade como valor absoluto. Segundo anotações em jornais, colegas diziam que ele era um magistrado sem vaidade do cargo. Foi um jurista de invejável saber filosófico e humanista. Alunos da UFRN o consideravam um mestre sábio sempre dando exemplo de outras culturas. Apesar de ter mais de três mil trabalhos (crônicas e ensaios) publicados em jornais e revistas, não se preocupava em editá-los. Em suas crônicas, nos anos 1920, ele abordava a liberdade de expressão, a problemática do ensino público e a importância do voto feminino.
O escritor Franklin Jorge relata que o memorialista Edgar Barbosa fazia de qualquer rasgo de memória uma crônica e conseguia falar de sua cidade natal com seus vales férteis como se fora recortada por um Nilo transplantado para lá por um sortilégio de Deus. Edgar captou a alma do homem universal e dos lugares de sua infância, percebendo-se nitidamente nos textos sobre Henrique Castriciano, Juvenal Lamartine, Padre Monte, na descrição do jasmineiro de Auta de Souza e até de um velho engenho. Na época da guerra, Edgar Barbosa escrevia crônicas diárias sobre a importância da paz mundial. Seus textos chegaram a outros países através de agentes estrangeiros e, como consequência, ele recebeu do reitor, filósofo e escritor espanhol Dom Miguel de Unamuno (1864-1936) a Flama Olímpica da Universidade de Salamanca, homenagem almejada por muitos. Recebeu também uma carta do Rei George VI (1895-1952), do Reino Unido, pai da rainha Elizabeth II, parabenizando-o pelo seu trabalho na luta pela paz dos povos.
O escritor Nilo Pereira, seu conterrâneo, dizia que Edgar Barbosa foi o maior escritor que Ceará-Mirim produziu em qualquer tempo. Precoce e inteligente, foi aclamado como o príncipe dos escritores potiguares. Porém, manteve-se modesto e sem vaidade para com as medalhas e prêmios que lhe concederam. Edgar Barbosa dizia que “era melhor merecê-las sem as ter do que tê-las sem merecer”.
Carlos Roberto de Miranda Gomes, em sua crônica sobre Edgar Barbosa, relata que seu professor era ameno por natureza, passos comedidos, gestos suaves e falar pausado. Jamais negava atenção a quem dele se aproximava, sempre levando uma palavra de esperança ou proclamando sua decepção diante de fatos políticos que não tivessem trânsito pela essência da democracia. Na Faculdade de Direito, da velha Ribeira, chegava com pontualidade e vestido com impecável terno de linho branco, que fazia mais claro o dia e brindava os seus alunos com aulas inesquecíveis, sempre na direção do espírito do Direito Constitucional, em sua expressão essencial, sem gastar tempo com os textos legislados. Posicionava-se contra o regime militar, que se instalou no Brasil em 1964, mas ao proferir suas aulas, a sua postura crítica, a sua autoridade moral e o respeito que impunha, nunca permitiu que lhe fosse colocada uma mordaça, tanta era sua autoridade moral, tanto o respeito que impunha.
O poeta Diógenes da Cunha Lima foi seu aluno da disciplina Direito Constitucional, e dizia que suas aulas eram de humanismo. Durante a ditadura, ele não poupava críticas aos militares detentores do poder discricionário.
Manoel Onofre Júnior, em seu livro Alguma Prata da Casa, 2ª. Edição, pela 8 Editora, 2016, fala do mestre Edgar como um exemplo de humanista e um dos mais eminentes vultos da cultura potiguar. Enxerga-o como um artista conhecedor da palavra, leitor de grandes clássicos, homem de grande cultura, amante das letras, pois a palavra escrita afigura-se-lhe como algo precioso, que nem ouro ou prata.
Vários colegas escritores escreveram sobre Edgar Barbosa: Veríssimo de Melo dizia que ele era discreto e modesto, pois apesar de ter escrito uma vasta obra, publicou poucos livros. O ensaísta Américo de Oliveira Costa, falecido, autor de A biblioteca e seus habitantes (1982), escreve sobre Edgar Barbosa e faz o resgate de seus ensaios de alta qualidade. Dentre eles: “Camões lírico”, “A justiça no reino do Quixote” e “Machado de Assis em alguns dos seus tipos”. Conforme nos relata o escritor Nelson Patriota em seu livro Uns Potiguares, escritos sobre as letras norte-rio-grandense e outras, Editora Sarau das Letras; 2009, a Editora da UFRN resgatou junto à família do escritor sua obra jornalística ao longo de 40 anos, com mais de três mil artigos que escreveu para jornais e revistas. O objetivo almejado foi o de selecioná-la e publicá-la em comemoração ao seu centenário com o título: Artigos e Crônicas de Edgar Barbosa. Nelson Patriota, organizador da obra, nos diz que o próprio Edgar havia colecionado cuidadosamente, por ordem cronológica, parte de seus artigos, provavelmente prevendo uma futura publicação, o que somente ocorreu 32 anos depois de sua morte. A maioria das crônicas e ensaios foram escritas para a revista Cigarra (década de 1920) para o jornal a República, quando ele estreia a partir de 1927 e para o Diário de Natal.
O seu livro História de Uma Campanha, com 439 páginas, foi relançado pela Editora da UFRN em 2008, em comemoração aos 50 anos da UFRN. Isso ocorreu depois de 72 anos da sua primeira edição, na gestão do Reitor José Ivonildo Rego. O livro apresenta a luta por um partido popular democrático na defesa da democracia contra um partido dominador de poderosos. Venceu o partido popular, gerando incômodos para os perdedores do coronel Felismino do Rego Dantas. Vale salientar que Edgar Barbosa enterrou, no quintal de sua casa, grande parte da edição desse livro, na tentativa de abafar a corrupção, os jogos de manobra e a violenta campanha política geradora de assassinatos na família.
Edgar Barbosa publicou apenas quatro livros: História de uma Campanha (1936/2008), Três Ensaios (1960), Românticos Norte-Americanos e outras Conferências (1966) e Imagens do Tempo (1966) e após sua morte Artigos e Crônicas de Edgar Barbosa (2009). Em 2009, a Editora da UFRN resgata junto à família do escritor sua obra jornalística a fim de publicá-los em comemoração ao seu centenário, conforme nos relata Nelson Patriota em seu livro Uns Potiguares, escritos sobre as letras norte-rio-grandense e outras, Editora Sarau das Letras, 2012.
Edgar é um nome muito forte. O que me faz lembrar o poeta americano Edgar Allan Poe, nascido em 1809, editor e crítico literário. Escreveu contos e foi o pioneiro a criar um detetive e um ajudante das histórias de mistérios. Edgar Wallace, 1875, inglês, escreveu 175 livros, 160 adaptados para o cinema, além de 24 peças de teatro. Edgar Rice Burroughs, nasceu em 1875, americano, criou o personagem Tarzan – o rei das selvas e Edgar Morin, 1921, filósofo francês, antropólogo e sociólogo.
Edgar Barbosa, nos seus escritos, levantou a bandeira da paz, como também o faz Edgar Morin, que, aos 99 anos, continua dando palestras no mundo inteiro sobre educação e cultura, falando sobre a importância de valorizar o plural, a solidariedade, a igualdade de direitos, o respeito à diversidade, pois somente assim teremos um mundo melhor, em paz.
Quero agradecer ao Dr. Carlos Roberto de Miranda Gomes por ter me cedido sua crônica com fatos vivenciais com o professor Edgar Barbosa, ao escritor Manoel Onofre Júnior pelo livro Alguma Prata da Casa, ao jornalista Franklin Jorge, diretor de redação da Navegos, que pacientemente me passou informações valiosas sobre o notável Edgar Barbosa.
Findo deixando meu protesto ao apagamento, ao memoricídio, que nos impossibilitam de sorver as obras de nossos escritores.