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O Superman, por Alan Moore (2 de 2)

Alexsandro Alves, escritor e professor, conclui sua análise das quatro histórias do britânico Alan Moore para o Superman, quatro contos que estão definitivamente marcados na vida do maravilhoso personagem.

*Alexsandro Alves

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A primeira parte deste artigo está aqui.

Essas histórias têm em comum um elemento que parece que os autores de hoje se esqueceram, que é tornar o Super-Homem mais humano, não digo homem, mas humano, enquanto um adjetivo, uma qualidade ou um defeito.

Superman é um personagem difícil. A dificuldade reside do fato dele encarnar determinadas ações que hoje são consideradas ultrapassadas; na verdade, a péssima consciência de nossa época tornou sua história não muito apreciável para a mentalidade atual. É um problema que vai desde o fato da força quase sem fim de Kal-El até tocar nos seus princípios rigidamente morais. A nossa época prefere a violência como primeiro “diálogo”, mas Clark Kent é um jornalista e sua área são as ideias e o debate. Porém há algo de atual nele. Esse algo é a cultura humana que ele absorveu através de Smalville. Essa cultura o preencheu de elementos que a sociedade kryptoniana esqueceu. As mais extraordinárias histórias do Superman são exatamente essas em que o autor assume esse lado do personagem.

Aquele lado super, que puxava galáxias inteiras atrás de si, sorrindo e feliz, e que com certeza quem é fã do personagem sabe amar, nosso tempo parece que, infelizmente, ver com maus olhos. Deve-se humanizar os personagens para que estes tenham entrada na vida das pessoas. Na época da criação de Superman era exatamente o contrário que agradava, mostrar Superman com cada vez mais poderes fazia a popularidade desse ícone subir geometricamente.

Felizmente ele tem em seu nome tanto o super quanto o homem. Então se pode trabalhar as duas coisas. E Moore caminha com desenvoltura em ambas.

É típico dele colocar os heróis em situações limites, e Watchmen é cume nesse aspecto. Mas Batman se ver ao ponto de matar o Coringa em A piada mortal, enquanto Gordon quase enlouqueceu vendo fotos de Bárbara sendo estuprada pelo Coringa.

Na Linha da Selva Moore testa os limites do homem sem limites fazendo-o necessitar de nada mais nada menos do que um simples repouso no colo da mãe-natureza. Superman aqui é o homem urbano, tecnicista e especializado que sofre. O Monstro do Pântano é o conforto da natureza mais uma vez colocada à disposição da vida. É uma história linda, cheia daquela inspiração confiante de Moore.

Algumas cenas de Na linha da selva:

 

 

 

Passando para outra história. Os desejos mais triviais do mundo são exatamente o que o homem que tem tudo não tem ou não pode realizar, a não ser quando anestesiado até a morte por uma planta alienígena. É essa a história de Para o homem que tem tudo. No dia de seu aniversário, nosso valoroso super-herói recebe quatro poderosas visitas: seu melhor amigo Batman, seu filho adotivo Robin, a Princesa das Amazonas, a Mulher-Maravilha, e um vilão espacial, Mongul. O Robin em questão é o segundo, Jason Todd. Cada um deles vem trazendo seu presente, como os reis magos ofertando suas oferendas simbólicas para Jesus.

Mas aqui o aniversariante já é um homem adulto e, antes de seus amigos chegarem, Mongul conseguiu colocá-lo numa espécie de transe alucinógeno provocado pelo contato com uma planta espacial, a clemência negra (estaria Moore lembrando seus passeios pela Cannabis Sativa?). De qualquer forma, descobrimos a alma de Clark. Sua vontade mais íntima, mais pessoal e mais perfeita é ter uma família. No entanto, se ele não sair do transe a tempo, poderá permanecer assim nesse estado para sempre, além disso, a planta não pode ser simplesmente arrancada do corpo de Clark.

Enquanto seus amigos tentam retirar o vegetal do seu corpo, Clark sonha com uma vida em Krypton:

O que aconteceu ao Homem de Aço é uma daquelas histórias que, se não existissem, teriam que ser sonhadas por alguém, pois é a história mais emblemática de Moore dentro do mundo do Superman. Em duas partes soberbas, revisitamos vários aspectos da mitologia do personagem: a Fortaleza da Solidão, Krypto, Supergirl, a Legião dos Super-Heróis, os vilões, Metropolis, o Planeta Diário e seus funcionários, Smalville (através de Lana Lang). É uma história de profunda tristeza com um piscar de olhos famoso no final.

Um jornalista decide entrevistar Lois sobre os últimos dias do Homem do Amanhã. Ela está casada e tem um filho. O Superman desapareceu do mundo e nunca mais deu notícias. Lois conta os fatos trágicos que encerraram a carreira mais super-heroica de todo os tempos. Um a um, os personagens que marcaram a vida de Clark vão desaparecendo. Num turbilhão que nem mesmo ele consegue escapar, sua identidade é revelada e várias pessoas próximas são assassinadas. Por fim o próprio Superman acaba por matar o causador de todo esse drama, mas se retira, entrando em uma sala com kryptonita e fechando a porta pós si.

É uma história comovente. Vê-lo assim completamente cercado. No último quadrinho da primeira parte, ele senta e chora acompanhado de seu cão fiel, Krypto, que também se entristece:

 

Tudo isso para mostrar a última história pré-Crise de Superman. É um adeus não só para aquele Superman, mas para uma época que começou em 1938 com Action Comics #1. E é o testemunho de uma mente, a de Moore, que sempre amou esse personagem.

E é tristemente notável que ninguém até hoje tenha ido atrás dessas histórias para compor uma fase decente para o primeiro e o maior dos super-heróis. Mas é exatamente isso, como exposto acima, a criação maior de Siegel e Shuster é de extrema dificuldade para os dias de hoje, e isso depõe contra os dias de hoje e não contra Superman.

Para se fazer justiça a esse personagem apenas grandes escritores, pois apenas eles podem extrair, da poderosa e grande mitologia do kryptoniano, histórias que sejam da mesma estelar categoria de Clark Kent.

E isso nós temos aqui nessas histórias do grande escritor britânico. Poesia. Drama. Comédia. Temos a alma do Superman revelada de uma maneira singular; presenciamos seu desespero em seus últimos momentos; e o melhor é o fim, quando nos tornamos cúmplices de uma felicidade que Clark Kent merece ao lado de seu maior amor assim, em um piscar de olhos. É essa a sensação que Moore nos passa de forma refinada, simples e direta. Familiaridade. A gente sabe afinal o que houve com o Homem de Aço. Parece que somos amigos do casal. Momentos assim só se conseguem com grandes escritores em sua inspiração mais apurada.

O escritor