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O supremo grande irmão em seu tribunal

A literatura distópica do século XX foi um prenuncio de um deserto político de silêncios que hoje amordaça a liberdade, no Brasil inclusive.

*Franklin Jorge

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Ainda sobre o clássico de Bradbury.

Em Fahreint 451, romance que deu notoriedade a Ray Bradbury e assombrou e eletrizou os moços de minha geração, naqueles vertiginosos anos de 1970, que nos descortinou um mundo de infinitas perspectivas e possibilidades.

Apercebemo-nos da proximidade de mundos distópicos que nos espreitavam como abismos. Sentíamo-nos desafiados por uma pluralidade de apelos absorventes. Estávamos sob os umbrais de um mundo novo prefigurado na literatura; a justificar o paradoxo wildiano de que a vida imita a arte. E muitos de nós desejava e queria compreender esse mundo de ideias das quais nos apoderávamos através dos noticiários, de jornais e revistas; livros; muitos livros; cinema e música; festivais.

George Orwell, 1984 e A revolução dos bichos; Huxley, Ponto e Contraponto; Albert Camus, O estrangeiro e A peste; Anthony Burguess, Laranja Mecânica; Moravia, O conformista e A romana; Jean-Paul Sartre, O ser e o nada e Huis-clos; o New journalism; Thomas Morus, A utopia; Shakespeare, A tempestade; Bertrand Russell; Jean-Luc Truffaut; Stanley Kubrick; em resumo, as raízes do mal ou portais para suprarrealidades.

Guy Montag, bombeiro de uma polícia incendiária que queima livros e escritos, detém e prende leitores subversivos, recalcitrantes, uma resistência que lê e mantém viva a leitura, instrumento de propagação do conhecimento. Um escudo inquebrantável para enfrentar as trevas.

Tínhamos então um espectro cultural plural e instigante que nos levava a passear em meio aos sábios do mundo. Muitos desasnaram e aprenderam a ler com os melhores. O oposto e inverso do que se vê agora, em meio à bagaceira, o esquálido vômito da literatura em sua agonia estertorante, após o ostracismo, agora condenada à espera do suspiro final.

Sob as tiranias, pensar torna-se o primeiro crime capital. Pensar insufla a contradição e a desordem; torna os dogmas vulneráveis e falíveis, semelhante ao que combate – as heresias e os insurretos.

1984 passou de mão em mão, e foi visto como o anúncio do fim, sob uma tirania que vigiava e punia exemplarmente a mínima infração. Com O lobo da estepe, o livro icônico de uma geração à beira de Babel ou do deserto, Hermann Hesse nos deu a chave da sobrevivência num deserto de homens: Isaac Asimov; Tolkien em encadernações de luxo, ricamente ilustradas e coloridas.

Brigadas de bombeiros incendiários perseguem leitores e queimam bibliotecas. Ler tornou-se uma atividade transgressora e fora da lei. Os leitores se escondem em cemitérios e criptas, reúnem-se em ruínas para permutar e ler seus autores prediletos. Todos tensionados por iminente perigo.