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O teatro do café da tarde

Fundador de Navegos, poeta e cronista da memória potiguar, em dois textos. No primeiro, sobre um histriônico admirador e o segundo, sobre um pintor italiano.

*Franklin Jorge

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Alguém que apreciava ler meus textos em jornais e livros, procurou-me para dizê-lo e com o tempo tornou-se meu amigo e ia visitar-me regularmente, à tarde, para tomar café e conversarmos na intimidade de minha cozinha funcional, pois todos as demais dependências da casa partiam radialmente dali.

Gostava de ouvi-lo, sobretudo quando ao texto ele, surpreendentemente, acrescentava, de maneira inesperada, levantando-se de repente e incorporando a personagem que o possuía naquele movimento de histrionismo delicioso e naturalista.

Como da vez, relatando a visita que fizera alguma manhã, em sua casa, e foi recebido na cozinha, dona América que mal dormira, de penhoar, furiosa com o Dentinho que estava se negando a ceder a toda a pressão dos Rosado a lutar por seus interesses e a bem vestir um dos seus com uma pensão especial ou uma Secretaria de Governo.

A tudo isto meu amigo interpretava e dava consistência, em meu lugar de trabalho, nervosa e aborrecidamente vociferando e segurando uma chaleira imaginária, acendendo e em seguida apagando o fogo, voltando a acende-lo, para ferver a água do café. Não dá para acreditar. Garibaldi se fazendo de desentendido; tirando o corpo fora; fugindo de seu dever em atender a um Rosado.

Minha filha enviuvou e precisa de amparo. O governador parece ignorar quanto o Rio Grande do Norte deve aos Rosado… Que seria Mossoró sem a fibra dos Rosado? Fizemos Mossoró, de seus alicerces até agora. Nossa família dá sustentação a esse governo que seria ainda pior sem o nosso esforço em fazer com que ele pareça melhor do que é. Não… Não… Garibaldi é de morte. Mais um ingrato que se aproveita dos Rosado…  

Não me desgostava tomar o meu café da tarde assim.

 

***

 

Arcimboldo e eu

 

Giuseppe Arcimboldo, 1527-1593, As estações 2, óleo sobre tela.

 

Pedia-me Walmir [Ayala] que escrevesse sobre Arcimboldo, maneirista italiano, profano e espirituoso que antevi como Precursor do Surrealismo.

Uma tia minha, versada em Idioma, literatura e cultura Italianas, havia muito falara-me de seu encantamento e perplexidade diante das obras desse artista que usava elementos da natureza e artefatos criados pelo homem para pintar esses impactantes retratos que se tornaram uma assinatura reconhecida e acatada em todo o mundo.

Sim, muitos dos jovens e artistas de minha geração se devotaram ao Surrealismo que se tornou notório e glamuroso com as excentricidades de artistas contemporâneos como Salvador Dali. Também deleitou-nos Arcimboldo, em seu ficcionismo visual expresso em inusitadas e surpreendentes composições; inventos que desafiavam a racionalidade e o senso comum; na expressão de sua criatividade, Arcimboldo era único.

Certa vez, de volta de uma temporada em Capitello e andanças por Roma, Florença, Milão e a República dos Doges, trouxe-me minha tia de presente algumas reproduções desse artista, sobre um algodão artesanal, grosso, algumas obras de Giuseppe Arcimboldo e uma publicação em Italiano, que ela leu e traduziu a um tempo, para mim, em duas ou três tardes. que a ouvia encantado com a verve desse artista que se adiantou no tempo.

Lisonjeado com a sugestão que pressupunha confiança em minha capacidade intelectual, fiz-lhe ver que não dispunha do conhecimento adequado para escrever sobre um maneirista muito apreciado e conhecido por poucos.

 

Vertumno, óleo sobre tela, 1590-91.