*Luís da Câmara Cascudo
Joaquim Fagundes, que vinha fazendo “papéis” subalternos nas sociedades teatrais, fundou “seu” grupo. Ao seu lado enfileiravam-se Francisco Otílio, Luiz de França Guajú, José Teófilo Barbosa, Joaquim Lourival Soares da Câmara, Antônio Climaco Machado França, Emídio Marcolino de Melo, José Macabeu, Joaquim de Vasconcelos, Emídio Getúlio de Oliveira e outros. Surgia outra figura feminina no amadorismo teatral da época. Honória dos Reis, a “musa” de Joaquim Fagundes. Com Maria Epifânia constituía a “dupla” inseparável, indispensável e única, nos palcos natalenses.
Com 17 anos, magro, vibrante, arrebatado, inquieto, Joaquim Fagundes era poeta dramaturgo, orador e jornalista, lendo como um beneditino e trabalhando como quem antevê a morte antes da vida plena. Fundaria jornais, associações literárias queimando como numa pira votiva, su’alma ardente de Girondino. Republicano, figura de realce da luta contra Dom Vital, o grande capuchinho pernambucano, Joaquim Fagundes morreria aos vinte e um anos, como exausto espécie de meteoro que independe do tempo para a eclosão da luz e força de energia. Era um poeta romântico, tristurento, narrando desastres e amando tragédias, suicídios e renúncias. Mas a vibração do espírito, trepidante e contínua, dinamizava derredor, a todos animando, como um jato de ouro vivo.
O GRUPO não tinha nome, que me conste. Chamavam o GRUPO DE JOAQUIM FAGUNDES distinguindo o mais moço como chefe natural daquela patrulha literária, num acampamento sisudo de burgueses. O GRUPO encenou várias peças. Fatalidades, “Fantasma Branco”, de José de Alencar, “Abençoadas Lágrimas”, de Camilo Castelo Branco, o inevitável “Camila no Subterrâneo ou os Salteadores do Montenegro” e mais outros sucessos.
Joaquim Fagundes escreveu dramas e os representou. Antônio Marinho Pessoa e Moreira Brandão informam que as peças foram aplaudidas, escrevendo louvores ao autor, quase menino.
Num desses dramas no final patético, Joaquim Fagundes, encarnando o galã, suicidar-se-ia aos pés da amada, de nome Eufrosina. Na hora extrema, quando o autor-ator pronunciava sua frase amargurada e derradeira:- Eufrosina! Meu último beijo e último suspiro são teus! O pano da boca do teatrinho, mal seguro veio abaixo, num fragor de catástrofe, em cima do personagem… Toda gente riu. Fagundes ficou furioso e ainda mais com um mote saindo não se sabe de onde:
Com o pé feliz no teatro,
entraste causando espanto,
o que não fariam quatro
se com dois fizeste tanto?…
João Areias Bajão, espirituoso boêmio daquele tempo, poeta espontâneo “glosou”.
Tenho raiva do pedante
quando quer ser literato,
dando unhadas como gato,
nas obras d’algum tonante.
É ser muito extravagante,
É ser nau sem leme e mastro,
É não respeitar do astro
o seu raio luminoso,
Pra quem quer primar encanto,
Ouvir murmurar um canto,
na platéia complacente,
No palco, bem descontente,
entraste causando espanto!
O moderno João Caetano
na sua primeira estréia
É entrar, mui ostentoso
com o pé feliz no teatro!
Com voz terrível e rouca,
ia falando o ator
quando por graça de amor,
caiu-lhe o pano-de-boca!
já não foi graça tão pouca
julgou logo que a plateia
lhe desse um aplauso ufano…
mas, a caída do pano
mudou-lhe da estréia o astro,
de sorte se, no teatro,
com dois pés fez tanto mal,
movendo-se desigual
o que não fariam quatro?
João Elísio Emerenciano completou a quarta “glosa” satírica:
Ora bolas, meu quinquim!
Toma lá esta banana…
Só assim se desengana
a um cômico ruim!
Oh! Truão! Oh arlequim!
que causaste tanto espanto
Foi só pra se ver o quanto
fizeste tu com dois pés,
O que não faziam dez,
se com dois fizestes tanto?
Os versos correram toda a Cidade, decorados numa popularidade que atravessou anos e anos. Lourival Açucena conseguiu conciliar as zangas, reunindo atores e poetas numa ceia-de-peixe-assado na rua da Palma (trecho da Frei Miguelinho, entre a rua 15 de Novembro e Silva Jardim).
O GRUPO DE JOAQUIM FAGUNDES viveu até fins de 1874.
UMA PERGUNTA: Quem sabe informar sobre a “CASA DO NICHO” que havia na Rua da Conceição? Nesse nicho venerava-se a imagem de N. S. da Conceição, origem do nome da rua. Quem era o proprietário dessa casa? Para onde foi a imagem?
A República, Natal, 20 de agosto de 1940.
Fonte: Acervo LUDOVICUS – INSTITUTO CÂMARA CASCUDO