*Franscico Alexsandro Soares Paiva

Mais do que qualquer outra arte, a pintura é a que mais fala às questões objetivas do ser. O pintor e sua criação dialogam com imagens passadas que, por uma poesia que deve perpassar a imagem, chega aos espectadores como algo novo, mesmo que a cena seja antiga. O desafio do pintor consistia, com a era da reprodução industrial imagética, em procurar significados onde a fotografia, em seus inícios, sequer sonhava em habitar, posto que engatinhava enquanto nova concepção estética, oriunda da industrialização. O advento da fotografia trouxe uma séria questão para os pintores, que inconscientemente ou não, procuraram se afastar da objetividade e do realismo. Escolas como a impressionista ou a expressionista, buscavam não o retrato do cotidiano, mas a sutileza das emoções no espaço urbano e no próprio Eu.

Não é possível admirar uma obra de Manet ou Renoir e ver apenas paisagens e banhistas. Mais que a paisagem retratada, ou uma cena de banho ao ar livre, a sugestibilidade da imprecisão das formas é o que fornece ao esteta a chave correta para adentrar esse espaço onde o Belo, afastado da simples mimese, vaga em nosso olhar e chega a produzir uma segunda naturalidade: impressão do fato, e não o fato em si, conta mais para a vida da alma – a psique é sugestibilidade e imprecisão. E que imaginava que o advento da fotografia minaria o campo da pintura, não poderia imaginar que hoje, na era da reprodução na velocidade de cliques e microchips, a fotografia absorveria muito da pintura; a visão primeira é a do pintor, não do fotógrafo, aquele influencia este, ao mesmo tempo em que a pintura desbanca em um abstracionismo que de tão imaginativo, parece formas da natureza não percebidas antes – a mimese se interioriza e se minimaliza ainda nos riscos e rabiscos da pós-modernidade.

E há um outro aspecto em que a pintura se firma como arte que dialoga com estes tempos de rapidez impostos pelas redes mundiais.

É a inocência. A inocência vista como naturalidade sempiterna do viver das aflições e das alegrias humanas. A naturalidade de uma forma angulada ou de uma perspectiva desajustada, ganham contornos de um realismo que tende para o sonho, mesmo que as imagens sejam tão presentes em cidades do interior e conhecidas do imaginário popular. Cenas que conhecemos bem, ganham aspectos oníricos, solitários, que dialogam com aspectos de nossa cultura que permanecem imorredouros.

Weiner abre o baú de nossos passados e desejos eternos, em suas personagens que a primeira vista já demonstram uma despreocupação com o tempo, porque vivem dentro do imaginário do povo.

A menina que sentada em uma calçada, segura sua boneca aos olhos da mucamba; as mulheres que cobram para amar esperando seus amantes ou a que se guarda para cobrar mais tarde de seu marido. São cenas que a imagética de uma cidade de interior ou de bairros boêmios de uma capital oferecem aos borbotões. São cenas que uma fotografia revelaria de maneira artificial, por mais realista que seja. São cenas que nas mãos de um pintor alheio às amenidades de sua época, consegue transmitir de forma tão marcante em nosso espírito, através de imagens tortuosas e de pinceladas de tons escuros.

A Igreja Matriz se cerca de festas e de brincadeiras, porém o tom das cores nos fala de escuridão e seriedade. Seria a saudade de um tempo que por mais que persista, contrariamente não volta mais? Que contradição abarca estas formas festivas de Weiner! O dia de feira é o encontro de todas as idades e expectativas de vida, tudo se mistura como uma gigantesca ode ao acaso e à diversidade de mundos que por vezes se encontram, mas que quase sempre permanecem lado a lado, numa procissão de desejos mundanos da criança que brinca à roda de viola, da mulher de vida difícil às moçoilas por vezes fáceis.

As meninas da rua velha se encontram em bairros como a Ribeira Velha. Com toda a pujança de uma poesia das pedras antigas e ferrovias esquecidas e das marginalidades – dos pretos e dos gatos pretos espertos e ladrões em suas brincadeiras tão desaforadas como o rodar dos babados dos vestidos delas ou seus mamilos inocentemente e despreocupadamente à mostra. Porém toda essa festa de gente e de outros animais são pintados com tintas ocres, por ser noite? Também. Mas não há lua ou estrelas indicando o tempo. Há a sensação viva de coisas que estão sendo esquecidas, há ainda, quem sabe, uma saudade de um tempo mais brilhante, mais colorido – ou mais bem vivido.

A menina sentada é de uma luminosidade conseguida praticamente graças ao sensível uso de tons azuis distribuídos pela tela, sobretudo no vestido da menina, que ilumina a cena com uma forte impressão de luminescência, de vida. É uma proposta diferente daquelas das obras comentadas acima. Aqui há uma singeleza mais natural na palheta em detalhes como as tartarugas e os passarinhos de estimação.

A pintura de Weiner nos proporciona uma caminhada pelos rincões de nossa alma, através de imagens e temas que o tempo ultrapassou, porém a psique humana preserva alheia a toda a vida líquida que configura estes momentos pós-modernos. Nos tornamos andarilhos dos sonhos e da memória de todas as cidades, das pessoas mais simples de cada uma delas, testemunhas de uma vida que, mesmo que ainda sobreviva em áreas perdidas dos grandes centros e em cidades interioranas, são como que esquecidas, porém permanecem pela poesia e pela vida que evocam em nossa psique, e Weiner é parteiro de rebentos que com seu choro, comungam com nossa ancestralidade. É cotidiano tornado mítico.