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O terceiro olho

A literatura fantástica vai além do que imaginamos como irreal: é uma outra realidade “de magia e horror e símbolos misteriosos”.

*Julio Cortázar

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Como podem ver, para mim a ideia do fantástico não significa apenas uma ruptura com o razoável e o lógico ou, em termos literários e especialmente de ficção científica, a representação de acontecimentos inimagináveis ​​​​num contexto quotidiano. Sempre pensei que o fantástico não aparece de forma dura e direta, nem é cortante, mas sim se apresenta de uma forma que poderíamos chamar de intersticial, que desliza entre dois momentos ou dois atos no típico mecanismo binário de razão humana para permitir vislumbrar a possibilidade de uma terceira fronteira, de um terceiro olho, tal como aparece de forma tão significativa em certos textos orientais. Há quem viva contente numa dimensão binária e prefira pensar que o fantástico nada mais é do que uma invenção literária; há até escritores que apenas inventam temas fantásticos sem acreditar de forma alguma neles. Para mim, o que consegui inventar neste campo sempre foi feito com um sentimento de nostalgia, a nostalgia de não ter conseguido abrir completamente as portas que tantas vezes vi abertas por alguns segundos fugazes. Nesse sentido, a literatura cumpriu e cumpre uma função que lhe devemos agradecer: a função de nos tirar por um momento das nossas caixas habituais e de nos mostrar, mesmo que apenas através de outra, que talvez as coisas não terminem no ponto em que nossos hábitos mentais pressupõem.

 

Julio Cortázar
O estado atual da narrativa na América Latina