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O território humano de Caldas

Poeta que se esquipara, em estatura ao seu contemporâneo Fernando Pessoas, nascidos ambos no mesmo anos, um no Brasil e o outro em Portugal, João Lins Caldas (1888-1967) está imortalizado no “romance de formação” produzido por José Geraldo Vieira.

*Franklin Jorge

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A publicação de “Território Humano”, em 1936, assinala a um tempo um acontecimento digno de nota e a insofismável pujança da arte de José Geraldo Vieira, um autor da estirpe dos grandes criadores literários, como Machado de Assis e Thomas Mann, de quem se aproxima por afinidade, em razão da complexidade de sua obra que em nenhum momento apela para o pitoresco ou para as fórmulas fáceis de uso corrente em sua época, ainda motivada pelo arranco regionalista. Não admira que, ao percorrer as páginas do seu romance, seja o leitor levado a pensar, instintivamente, em “Os Buddenbrooks”, por se inscreverem ambos em um mesmo gênero e, seus autores, cada um a seu modo, fundadores de uma nova tradição ou de um moderno classicismo.

Conjugando expressão e conteúdo, observação e cultura estética, dá-nos Vieira neste “romance de formação” ou “bildungsroman”, em boa hora reeditado, o processo de amadurecimento de José Germano, personagem evidentemente inspirada no próprio autor, desde sua infância superprotegida até o inusitado desfecho que consolida o espírito romanesco, forjado de realidade e imaginação. Criador de caracteres e de destinos, avulta em sua galeria de personagens a impressionante figura de Cássio Murtinho, retrato à clef do poeta norte-rio-grandense João Lins Caldas, cuja presença se faz notar num crescendo alucinante, somente possível graças a indiscutível mestria desse autor que é, em nosso idioma, um dos maiores criadores literários do século passado e de todos os tempos.

O silêncio que se faz em torno do nome de José Geraldo Vieira não se justifica.Talvez o prejudique a profundidade de sua prosa abissal, permeada de humanismo e metafísica, a exigir do leitor um certo esforço de simpatia, para enfrentar o desafio que nos propõe, por estar embasada numa grande cultura clássica e moderna e em procedimentos que fogem completamente ao marasmo dominante. Façanha que constitui uma dessas culminâncias somente alcançadas por um verdadeiro artista da palavra.