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O tribunal negro brasileiro

Apagamento da mestiçagem e dubiedades na autodeclaração levantam questionamentos sérios e objetivos sobre a brasilidade.

*Alexsandro Alves

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Williane Débora Dias Muniz sempre nutriu o sonho de passar em medicina. Aos 21 anos, ela conseguiu aprovação no curso de medicina da UFPE. Porém, quando precisou passar pelo teste de heteroidentificação, a conclusão da comissão foi que a candidata “apresenta cabelos lisos, com lábios, nariz e traços finos, não apresentando fenótipo que atenda às exigências para obtenção de cota. Sem traços físicos negroides”. A estudante é mulata. Sua pele é morena clara, típica representante do grande grupo brasileiro mestiço que somos. Além disso, ela é de baixa renda.

Eu sou contra cotas raciais. As cotas precisam ser sociais, para indivíduos pobres.

Porque o racismo no Brasil nunca é uma questão de cor, é uma questão de dinheiro. Quando envolve aparência física, é mais por uma aparência humilde e pobre, mesmo por vestimentas baratas, do que pela cor da pele – mas o movimento negro brasileiro deseja impor-nos uma história que não é a nossa, é da vivência de Ângela Davis, e isso ele faz de diversas maneiras.

Esse tribunal negro (comissão de heteroindentificação), age com cinismo, com mentira e com hipocrisia.

Percebam que quando o mestiço, como a estudante supracitada, se declara negra, não há reclamação nenhuma! Por quê? Porque quanto mais brasileiros se autodeclararem negro, as cotas aumentam. É como a escola que não reprova de maneira alguma o aluno, pois quanto mais aprovados, mais verba do governo.

Então, se por um lado é bom para o movimento negro que haja cada vez mais autodeclarados negros, por outro, na hora de ter acesso às cotas, negro é negro, não o é o mestiço. Percebem a malandragem? Na hora de somar para o movimento negro, é venha a nós, na hora de dividir a conquista, o vosso reino, nada“.

Isso é estuprar até a morte o Brasil e ainda vilipendiar o cadáver no IML.

É mais um dado contra a nossa mestiçagem, mestiçagem que formou a História maior do Brasil.

E isso demonstra também o viés puramente ideológico de se somar a porcentagem de brasileiros negros com brasileiros pardos (pardo é o nome que prefere o movimento negro ao invés de mestiço; eu uso mestiço, mistura, miscigenação). É o que somos.

Boa parte do negro brasileiro tem DNA indígena; não são negros puros. Aliás, o que é pureza para este país que se formou a partir do cruzamento de raças diferentes? Nós diluímos qualquer conceito de pureza racial e deveríamos ter orgulho disso, orgulho mestiço.

Porém, o movimento negro brasileiro abraçou o racialismo estadunidense e mascara nosso país com máscaras brancas e negras, numa tentativa de, por um lado, apagar a mestiçagem e, por outro, aumentar a população negra numericamente nos dados oficiais.