*Marilena Chaui
A eterna novidade do mundo. Alberto Caeiro/Fernando Pessoa une duas palavras, que, normalmente, estão separadas e mesmo em oposição – eterna e novidade -, pois o eterno é o que, fora do tempo, permanece sempre idêntico a si mesmo, enquanto o novo é pura temporalidade, o tempo como movimento e inquietação que se diferencia de si mesmo. No entanto, essa unidade do eterno e do novo, aparentemente impossível, realiza-se pelos e para os humanos.
Chamasse arte. Merleau-Ponty dizia que a arte é advento – um vir a ser do que nunca antes existiu -, como promessa infinita de acontecimentos – as obras dos artistas. No ensaio A linguagem indireta e as vozes do silêncio, ele escreve:
O primeiro desenho nas paredes das cavernas fundava uma tradição porque recolhia uma outra: a da percepção. A quase eternidade da arte confunde-se com a quase eternidade da existência humana encarnada e por isso temos, no exercício de nosso corpo e de nossos sentidos, com que compreender nossa gesticulação cultural, que nos insere no tempo.
Que dizem os desenhos nas paredes da caverna? Que o mundo é visível e para ser visto, e que o artista dá a ver o mundo. Que mundo? Aquele eternamente novo, buscado incessantemente pelos artistas. É assim que Monet pinta várias vezes a mesma catedral e, em cada tela, nasce uma nova catedral. Referindo-se a essa busca do eterno novo em Monet, o filósofo Gaston Bachelard escreve, num ensaio denominado O pintor solicitado pelos elementos:
Um dia, Claude Monet quis que a catedral fosse verdadeiramente aérea – aérea em sua substância, aérea no próprio coração das pedras. E a catedral tomou da ruma azulada toda a matéria azul que a própria bruma tomara do céu azul… Num outro dia, outro sonho elementar se apodera da vontade de pintar. Claude Monet quer que a catedral se torne uma esponja de luz, que absorva em todas as suas fileiras de pedras e em todos os seus ornamentos o ocre de um sol poente. Então, nessa nova tela, a catedral é um astro doce, um astro ruivo, um ser adormecido no calor do dia. As torres brincavam mais alto no céu, quando recebiam o elemento aéreo. Eilas agora mais perto da Terra, mais terrestres, ardendo apenas um pouco, como fogo guardado nas pedras de uma lareira.
Que procura o artista? Responde Caeiro/Pessoa: “o pasmo essencial / que tem uma criança se, ao nascer, / reparasse que nascera deveras”. O artista busca o mundo em estado nascente, tal como seria não só ao ser visto por nós pela primeira vez, mas tal como teria sido no momento originário da criação. Mas, simultaneamente, busca o mundo em sua perenidade e permanência. É o que procura o pintor Cézanne, cujo trabalho é assim comentado por Merleau-Ponty no ensaio A dúvida de Cézanne:
Vivemos em meio aos objetos construídos pelos homens, entre utensílios, casas, ruas, cidades e na maior parte do tempo só os vemos através das ações humanas de que podem ser os pontos de aplicação… A pintura de Cézanne suspende estes hábitos e revela o fundo de Natureza inumana sobre a qual se instala o homem… A paisagem aparece sem vento, a água do lago sem movimento, os objetos transidos hesitando como na origem da Terra. Um mundo sem familiaridade… Só um humano, contudo, é justamente capaz desta visão que vai até as raízes, aquém da humanidade constituída… O artista é aquele que fixa e torna acessível aos demais humanos o espetáculo de que participam sem perceber.
A obra de arte dá a ver, a ouvir, a sentir, a pensar, a dizer. Nela e por ela, a realidade se revela como se jamais a tivéssemos visto, ouvido, sentido, pensado ou dito.