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O vanguardista quase esquecido do poema-processo

Colaborador de Navegos, atento aos faustos da história, faz aqui uma pausa em sua importante pesquisa que temos divulgado aqui para prestar homenagem à memória de Nathanael Virgínio, recentemente falecido.

*José Vanilson Julião

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A minha interlocução quase que diária com o jornalista Franklin Jorge, como disse anteriormente, geralmente resulta em pauta para o Navegos ou recebo alguma indicação de bastidores da imprensa ou do meio social, quando, às vezes, articulo uma pitada de humor sobre a situação.

Porém, na noite de sexta-feira, tenho o conhecimento do passamento do jornalista Natanael Virgílio da Silva, mais conhecido por ser o irmão mais novo do artista midiático Francisco Alves da Silva, o famoso Falves, um dos artifíces do poema-processo em Natal na segunda metade dos anos 60.

Antes mesmo do falecimento do repórter do diário vespertino “Tribuna do Norte” (1968/1987) já tinha observado superficialmente que ele participa do movimento intelectual na juventude e acaba relegado ao limbo da história pelos pesquisadores. Não é citado em nenhuma reportagem.

Diante da morte do meu ex-editor na cobertura dos fatos policiais e da segurança pública (1982/87) homenageio Natanael, paraibano de Santa Rita, que chegou nesta cidade no começo dos anos 50 com a mãe e o irmão mais velho.

Ele é lembrado apenas pela reportagem policial, mas muitos desconhecem que, há aos 15 anos, já tinha lido Franz Kafka, Jean-Paul Sartre, Walt Whitman, Henry Miller e Machado de Assis. Ima descoberta de Nei Leandro de Castro na reportagem “Pequeno vendedor de confeitos encontrou na literatura o mundo de sonhos e razão de vivência” (17/1/1965).

Três anos depois, aos 18, já estava na redação do periódico fundado pelo deputado federal e depois governador Aluízio Alves. Como comprova texto de Alexis Gurgel (24/5/1968): – Estes farão a nova TN (9) – Nathanael – De confeiteiro a foca desiludido com a arte.

Estava no primeiro ano científico e cursava contra=baixo na Escola de Música. E arrisca sobre Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto: – destinos do apêndice xifóide que devem ser extirpados. De Cândido Portinari: “Canguru australiano”. Arremata o entrevistador: – Se poderia dizer que é corajoso.

A tese de mestrado “Dos  Processos do Poema ao Poema-Processo: O Vanguardismo Semiológico de Moacy Cirne” (2017), de autoria de Alberione da Silva Medeiros, é o único trabalho acadêmico que o põe no círculo intelectual que propõe o movimento vanguardista na capital do Rio Grande do Norte.

“… surge em decorrência de teorias e práticas poéticas inicialmente desenvolvidas por Wladmir Dias-Pino. Conta com a participação importantes de poetas do RN, representados neste trabalho por Moacy Cirne”, diz o resumo, com a finalidade de descrever analíticamente a ramificação potiguar.

Explica o aporte das obras “Por uma Vanguarda Nordestina” (1976), de Anchieta Fernandes, e “A Poesia e o Poema no RN” (1979), do Cyrne. Além de contextos de: “Informação da Literatura Potiguar” (2001), do professor Tarcísio Gurgel, e “Poesia Submersa – Poetas e Poemas – Volume II )2015), de Alexandre Alves.

Para não ser enfadonho, longo e por questão de espaço digo que a tese faz um relato histórico de tendências deste a poesia do final do século XIX para chegar ao vanguardismo e aconselho o leitor amigo a procurar o trabalho acadêmico na internet para se inteirar muito mais sobre o interessante assunto.

Destaco parágrafo in Fernandes: – …Natanael Virgilio talvez o primeiro escritor a produzir pop-lixo ou “underground” voltada para o experimentalismo e inaugura nova vanguarda, tendendo para a expressão direta do que o autor vive/visualiza…

– Natanael produziu de forma alternativa de forma alternativa textos compostos de formas desordenadas que representavam narrativas e que descreviam o contexto de “curtição” no qual inseriu e caracterizou a produção, além de usar elementos que desmonstram a escolha perante forma de poesia que rompe por completo com aquelas dominantes na prática poética da época, muitas vezes no uso de textos ficcionistas que causavam certo extranhamento ao leitor “desavisado” ou até mesmo aos leitores acostumados com as formas estéticas tradicionais…

… Foi considerado vuaguardista do pós-modernismo no Estado e inovador da literatura de ficção potiguar com o livro que concorreu ao Prêmio Câmara Cascudo (1973) patrocinado pela Prefeitura e talvez tenha sido o primeiro romance-colagem de nossa literatura (Fernandes).

Alén deste trabalho acadêmico Natanael é um dos antigos repórteres de geral e da área policial, ao lado dos falecidos Elitiel Bezerra (o “Pepe dos Santos”), Abmael Morais e Sebastião Carvalho, como personagens do “romance sangrento”, em outra tese: “Tribuna do Norte: o jornal como fonte de informação histórica à narrativa do crime” (Arlan Eloi Leite – Bibliocanto/2016). Destaco: – A história da mulher que matou seu marido; – A brincadeira que foi levada à sério e terminou em assassínio;

A última menção na imprensa sobre o nosso personagem ocorre em artigo de Alex Medeiros (TN, 25/12/2019). Em “Woodstock papa-gerimum” cita ampla reportagem “Festival… Festival… É um Festival” (25/11/1973) de Natanael Virgilio. Sobre o “Festival do Sol”. Precursor do “Festival do Forte” (1978).

Modesto até a alma. Discreto. Nunca me falou do envolvimento cultural e da importância dele neste contexto. Nem na lida diária da redação. Tampouco nas duas vezes ou três vez que privei da intimidade do lar. Entretanto, ao ler antigas reportagens assinadas, afirmo: repórter excelente, de “mão cheia”.

Assina a crônica literária “Processo: poema ação de um movimento” (seção “Transa” – segundo caderno). “Villa Verde – um violonista que procura a perfeição da música erudita e popular (domingo, 21/7/1974), “Anchieta Fernandes – Abaixo a complexidade da literatura e viva a lógica metalinguagem” (domingo, 10/11/1974), “Redinha: do outro lado do rio” (domingo, 19 e 26/1/1975).

Para encerrar uma hilária de redação. O editor e o repórter-fotográfico. O primeiro reclama e o segundo retruca. – Você sabe porque o pano do sinuca é verde e a cabra caga redondo e da mesma cor? – Não! Então Anderson Lino arremata do alto da sua pertinência e sabedoria prática: – Você não entende de bosta que entender de fotografia…

Anderson Lino