*Franklin Jorge
Apesar do confinamento imposto pela chamada “peste chinesa”, coisas incríveis me têm acontecido sem que eu precisasse sair de casa, o que só faço quando estritamente necessário, como ir ao médico, ao veterinário e uma vez perdida ao supermercado, sempre cumprindo o rito de ter a pressão medida e as mãos aspergidas com álcool, na entrada e na saída.
Pois, como dizia, mesmo sem sair de casa coisas surpreendentes nos acontecem, a mim, pelo menos, que tenho o hábito de dormir cedo, aí pelas quatro ou seis horas da manhã e acordar tarde, entre 13 e 17h. Como todo velho, não me falta nem sobra tempo, o que me permite ter alguns encontros que a outros pareceriam inusitados, como conversar com vivos, insones como eu, e os mortos que se vão tornando cada vez mais numerosos.
Pois bem, recentemente, em pleno confinamento, numa dessas horas que não sei precisar com exatidão, troquei algumas palavras com uma pessoa que se disse leitor do que escrevo e, como um admirador que pensou sobre um assunto que nunca ou pouquíssimas vezes, me preocupou – ganhar dinheiro. “Escrevendo, como escreve, cativando o leitor, o sr. Podia ganhar muito dinheiro se se dispusesse a escrever romances; mas, romances de um gênero geralmente malvisto” – pornográfico, eis o que ele queria dizer e disse após alguma hesitação. “Pornográficos, mas de um gênero que despertasse o interesse de leitores cultos e degenerados”.
Respondi-lhe que não tinha esse talento, embora tenha perseguido a ideia de tornar-me escritor, mas fracassei em todas aas tentativas que fiz, a começar Por esse negócio falido de existir, passando por um projeto de tetralogia que incluiria Os dias de Noé, de subtítulo “Romance contra o trade”, no qual eu intentava desmoralizar aa ideia apregoada por agentes de turismo de que faz sol 366 dias por ano em Natal. Narrado por um taxista, profissão atualmente em extinção, o romance teria sete capítulos, um para cada dia da semana e começavam cada um deles com uma chuva torrencial que afogava a cidade que aparentemente noivara mas não se casara com o sol.
Essa conversa foi sem dúvida muito instigante e, algum tempo depois, respondendo a um Doutor em Letras que me aconselhara a botar no papel todas essas histórias, deu-me, sem querer, o titulo desse livro que passou a ser uma tentação para mim – O velho debaixo da cama – pois debaixo da cama o velho vê e escuta tudo. Relutei um pouco, embora tentado a tornar-me romancista, mais, até, pela sugestão do titulo de bons augúrios, ao qual achei por bem acrescentar um subtítulo – Romance para leitores cultos e degenerados, conforme a sugestão que recebera anteriormente.
“Esse romance já está escrito em sua cabeça. Basta-lhe, devagarzinho, ir colocando a história desse velho que sabe tudo no papel”… Não é uma tentação, caro leitor?