*Franklin Jorge
Tenho 84 anos, oito meses e doze dias, informa espirituosamente o Venerável Givaldo Medeiros, aposentado e Maçom, nascido a 1º. De dezembro de 1930, em Jardim do Seridó, filho de Pedro Isidro Medeiros e de Dona Thereza. Viúvo da natalense Aurélia de Castro Medeiros, com quem viveu por 56 anos. O casal teve dois filhos, Pedro Isidro Neto (1954) e Ana Angélica (1959), que me recebe à porta da casa, no Tirol, ladeada por dois cães brancos de grande porte.
Givaldo leva-me para conversar em seu quarto, onde há sobre um birô toda parafernália de rádio-amadorismo, uma atividade que, segundo ele, depois do advento da Internet, caiu em desuso. Em derredor, objetos maçônicos, papéis, computador, acessórios, fotografias que lembram momentos de uma vida inteira, além de uma grande janela que se abre para a piscina incrustada em meio a um bem cuidado gramado. Antes, compartilha comigo o seu café da tarde acompanhado de tapiocas, biscoitos, bolos e queijo assado, um costume que trouxe do Seridó. A mesa já estava posta. José Hildo Fernandes, de quem é amigo há muitos anos, ao saber que eu iria entrevistá-lo para um dos volumes de Gente de Ouro, advertiu-o, para arrelia-lo, a não fazer economia no lanche da tarde, pois o entrevistador não gostava de “mão-de-vaca”. É um tipo grandalhão, querido por seus amigos, como José Hildo, que gosta de provocá-lo com tiradas como esta.
Venerável da Loja Maçônica Bartolomeu Fagundes, na avenida Alexandrino de Alencar, Givaldo Medeiros tem uma lembrança muito viva da Revolução de 1935, embora fosse então ainda muito criança. Foi um tempo difícil, porém não tão difícil como o momento que vivemos, sob o governo de um partido que se transformou em Organização Criminosa. Seu pai era um dos chefes políticos e, para garantir a segurança da pequena família, levara-a para passar uma temporada no Sítio Pedra Grande, pertencente ao marido de uma sua irmã, casada com Lúcio. Eu me lembro que viajamos em lombos de cavalo; eu ia chorando. Era a primeira vez que andava numa montaria.
Depois disso, referindo-se à mudança, a coisa arrochou. O Coronel João Medeiros, outro chefe político local, foi preso, em decorrência da perseguição política, algo, antes, impensável. Aconteceu, porém, que o juiz do município, que morava em um sobrado perto da delegacia, viu o coronel sendo conduzido por um soldado, estranhando a cena, desceu e os interceptou, dando ordem de soltura. Nesse ponto, Givaldo interrompe o seu relato, para confessar que não tem uma boa impressão da política, embora em um tempo distante tenha sido ele, como o seu pai, prefeito de Jardim do Seridó. Seu pai governou o município durante dez anos. Perdeu o cargo quando Getúlio Vargas foi deposto em 1945.
Dessa época, ela se lembra sobretudo da Praça Dr. José Augusto de Medeiros, um lugar que encantava e enchia os olhos de beleza. Havia uma particularidade: a praça, que chamava a atenção de todos que por ali passavam, era cuidada pelas famílias locais que se empenhavam em torná-la cada vez mais aprazível e agradável aos sentidos. Era honroso, para os cidadãos de Jardim do Seridó, cuidar da praça e contribuir para o seu embelezamento. Era considerada como um bem de todos. Depois, esse conceito foi se perdendo e, quando chegou a sua vez de governar o município, anos depois, Givaldo a recuperou e resgatou o busto do homenageado, que se encontrava jogado em meio a tralhas em um depósito da Prefeitura. Mandei fazer um pedestal de mármore e coloquei o busto lá, para a admiração dos cidadãos de minha terra, lembra. A conservação dessa praça era responsabilidade dos cidadãos, que disputavam entre si a primazia de manter o seu canteiro mais bonito e bem cuidado do que os demais. Essa emulação positiva garantia a fama da praça, da qual todos se orgulhavam, também remodelei o Mercado Público e instalei a sua primeira câmera frigorífica, em 1970 ou 1972, não lembro ao certo.
Minha infância foi normal, como a de todos os meninos de classe média. Respeitava muito o meu pai, que nunca bateu em um filho. Era bastante ele nos olhar de um certo modo e já sabíamos que não era para fazer aquilo. Tudo sem discussão ou grosseria. Era a cultura da época, em tudo muito diferente do que se vê hoje. Não havia consumismo nem ostentação. As pessoas se satisfaziam com as coisas mais simples. Poucos se atreviam a ir contra os costumes.
Givaldo recorda que teve todas as doenças de menino. Catapora, sarampo, espinhela caída, coqueluche, coisas de que hoje quase não se ouve mais falar. Aos três anos, repentinamente, ceguei por alguns meses. Mamãe dizia que eu fiquei bom com as promessas que ela fizera. Em 1938, meu pai me levou ao Recife para fazer uma consulta com um médico famoso, que me recomendou a usar, sempre, óculos escuros. Perdi um irmão porque naquele tempo não havia antibióticos. Foi tratado por Dr. Esmeraldo Siqueira, que por algum tempo atuou em Jardim, e fez de tudo para salva-lo, sem sucesso. Brincávamos muito. Uma dessas brincadeiras era o Cri-cri, um jogo no qual o perdedor levava algumas chineladas na mão. Jogávamos futebol com bolas feitas de meia, pois as de borracha eram raras. Também brincávamos construindo nossos próprios brinquedos. Foi assim uma infância boa, com muitas brincadeiras singelas, colegas e amigos.
Meu pai, apesar de ter apenas o curso primário, era homem de grande visão. Trabalhava muito. Começou como empregado; depois associou-se a uma firma do Coronel João Medeiros que, anos depois, mudou-se para Natal e fundou a Soriedem. Meu pai ficou em Jardim e chegou a ser presidente de uma cooperativa. Era homem só tinha duas palavras: Sim ou Não. Ele me ensinou a ser honesto. E, também, me botou na política. Mas sempre fui arredio a política. Ele me dizia, meu filho, nunca mude de partido.
Sempre fomos Oposição. Havia então um grande sectarismo nas hostes partidárias. Eu segui o exemplo de meu pai, o que me trouxe alguns prejuízos. Certa vez, bati o telefone na cara de um sujeito de São Paulo porque ele chegou a me oferecer uma propina, e ainda comuniquei o fato a um dos diretores que me disse que eu era muito besta, algo assim. Quando meu pai estava para morrer – eu era tabelião -, ele me disse que passasse para o meu nome tudo o que era seu. Eu respondi que, quando ele morresse, tudo ficaria para a minha mãe. E assim foi feito. Ela manteve a propriedade de tudo, até sua morte.