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Oficina da Criação

Fundador de Navegos fala sobre o processo criativo a que tem se dedicado há mais de 50 anos.

Franklin Jorge

Frequentemente, em contato com os jovens ou pessoas interessadas em desvendar os processos da criação, sou interrogado sobre os bastidores do meu trabalho, o que me leva a refletir permanentemente acerca desta questão, sobre a qual, se somos capazes de levá-la a sério, pensamo-la, pelo menos uma vez ou outra, em busca do autoconhecimento. Geralmente respondo-lhes que não há receita; a criação é individual e depende, em vários graus, da cultura e do temperamento do escritor, associação que lhe motiva uma visão do mundo e o modo particular e único que cada um tem de encarar os problemas da criação e da vida.

Penso que o aspirante a escritor, sem bagagem humanística variada e sólida, já começa com alguma desvantagem diante de outros que pesquisaram, buscaram, reuniram, acumularam informações e experiências que só podemos adquirir – como os autodidatas — com humildade e sacrifício constante. Creio que Borges pensava nisso quando escreveu aquele formidável verso sobre a verdadeira estirpe do poeta, cuja obra seria o resultado de humilhações e angústia. A propósito, lembro-me aqui do que Mário de Oliveira escreveu sobre o talento:

Em cada mil, cem;

Em cada cem, dez;

Em cada dez, um…

Mas esse um tem que suar

Como se dez; como se cem;

Como se mil.

Não me parece possível escrever com qualidade e pertinência, sem curiosidade, disciplina e esse suprimento básico de informações, sobretudo se considerarmos, como bem o disse Baudelaire — mestre de todos nós que escrevemos — que “os livros nascem dos livros”… A obtenção de informações custa não apenas em recursos materiais, mas em tempo, em renúncia e dedicação exclusiva a um processo que requer disciplina, persistência, servidão. Tirânica, a arte nunca se dá por satisfeita, o que, em principio, já seleciona previamente o número de aspirantes a escritores e artistas. Refiro-me àqueles para os quais a criação não é mero diletantismo de entediados que buscam dar vazão às frustrações íntimas, através de escritos que acabam destinados à lixeira, pois não contém aquelas parcelas de experiência e de arte, necessárias à elaboração de uma obra plenamente realizada.

Sempre, em todas as épocas, o número de diletantes superou o dos verdadeiros criadores, ou seja, daqueles escritores e artistas cônscios do que criam, o que requer um árduo trabalho, uma paixão ininterrupta e egoísta, às vezes, sem gratificação possível, pois – disse-o Baudelaire – o reconhecimento é um relógio que se atrasa em relação ao gênio. Todo grande artista é póstumo.

Não se é grande escritor por decreto ou vontade alheia. Ele se faz longe da exposição dos holofotes, dos coquetéis e confraternizações que afagam o ego e cevam a vaidade, mas constituem apenas manifestações de mundanidade superficial e improdutiva. Nada têm a ver com a verdadeira arte literária, aquela que se faz de cultura, experiência, intuição, solidão e silêncio. Afinal não podemos servir a dois senhores nem assoviar e chupar cana ao mesmo tempo. O escritor é, noutras palavras, um ser resignado à solidão. Quem ultrapassa essa linha divisória é o diletante “que quer brilhar”, “que quer acontecer” e “estar em todas” para a satisfação do ego, que se nutre do fátuo e do irrisório. Não o escritor autêntico, para quem as honrarias e as exterioridades devoradoras são ouropéis inconsequentes. Alguma coisa lhe diz que quem consagra é o Tempo.

Franklin Jorge. Jornalista.Editor.Escritor.

Escultura anônima: Escriba sentado. Museu do Cairo. 'Esqueceste a situação do lavrador, depois que tomaram o dízimo de sua colheita ? Os vermes destruíram a metade de seu trigo e os hipopótamos comeram o resto. Seus campos são infestados por legiões de ratos, devastados por gafanhotos, gado e passarinhos. Se o agricultor deixa um instante de vigiar sua colheita, ela é pilhada pelos ladrões. Mas isto não é tudo ; eis que é necessário substituir o metal da enxada ao cabo, as correias que seguram os maços de feno,  ...   eis que o boi está morto no arado ...' Inscrição egípcia.