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Onde está o Arquivo Público do RN?

Estudante de História faz denúncia grave sobre a precariedade da memória e o desmonte dos arquivos públicos potiguar

Luiz Melo

Inaugurado em 2004 na antiga sede de um extinto supermercado, localizado na esquina da Avenida Coronel Estevam, a conhecida ”Avenida nove”, com a Rua Dr. Alfredo Lyra, no efervescente Alecrim, o Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Norte guardou grande parte da memória de sua terra com a iminente ameaça do mofo, da umidade e da poeira.

Visitei o lugar inúmeras vezes a procura de documentações oficiais do Governo do Estado. Lá encontrei incontáveis páginas dos Atos e Decretos do Estado do Rio Grande do Norte além de numerosas edições de jornais da cidade. Naquele lugar fustigado pelo descaso dos órgãos públicos e de seus gestores, poderíamos achar impressos inestimáveis.

Exemplares do jornal A República se encontravam organizados em volumosas encadernações, trabalhadas com material resistente às intempéries do tempo e a incúria, confeccionadas pelo cuidadoso arquivista conhecido por todos como “seu Paulo”.

Fiz esse trabalho quando cheguei ao arquivo, já faz um tempo. Em algumas ocasiões produzi essas encadernações por conta própria. É o caso dos livros que unem os Atos e Decretos do Estado do Rio Grande do Norte, antes espalhados e desorganizados, que fiz questão de cuidar para que não permanecessem mais daquela forma.

No dia a dia do arquivo inúmeros funcionários públicos, muitos já em processo de aposentadoria, buscam os serviços de guarda do arquivo para procura de eventuais documentações, necessárias para uma volumosa quantidade de tramites. O local, porém, maltratado pela falta de verbas, não possui papéis para atender a essa simples demanda

Se disponibilizarmos os já escassos papéis existentes para o mínimo de funcionamento aqui, ficaremos sem ter como fazer alguma coisa, precisamos de papel para o mínimo funcionamento. Restou-nos fazer as cópias em antigos papéis inúteis de fax.

O espaço é completamente lotado em toda a sua vastidão, cerca de 180 m². São verdadeiras ruas que seguem lineares e margeadas por prateleiras de documentos que variam de tipologia e classificação. Documentos textuais, cartográficos, iconográficos e até documentos típicos da informática compõem a paisagem do local.

Naqueles tempos de pesquisa encontraríamos a disposição de nossa curiosidade e interesse, com destacada relevância para a nossa História, edições do Jornal A República de 1889; exemplares de decretos da nascente Primeira República e sua forma de reorganizar o país, e nesse caso em especial o Rio Grande do Norte; os Ofícios e Relatórios sobre os índios de Extremoz do século XIX; raras fichas e dossiês da extinta DOPS, criado durante o Estado Novo, referente à Intentona Comunista e ao período do Regime Militar; além de correspondências originais trocadas entre Nísia Floresta e Isabel Gondim.

Com o passar do tempo documentos dessa grandeza passaram a ser guardados em uma sala com acesso restrito, equipada com prateleiras corrediças e feitas de material adequado. Não com a finalidade de barrar o acesso e a pesquisa, mas para salvar os itens da deterioração. As perdas documentais e a destruição do acervo ocorrem pela escancarada falta de cuidado com a estrutura predial. Buracos no teto e no forro, durante as chuvas, passaram a dar passagem a verdadeiras cascatas de água que entram em contato com a rede elétrica e a fiação exposta, o que coloca em risco o trânsito pelos corredores e salas do lugar.

Recordo o dia em que desesperados, eu e seu Paulo encontramos na sala de guarda desses raros exemplares uma infiltração que atingiu números do jornal A República. Sem os materiais necessários para o restauro das relíquias, que agora se encontravam encharcadas, rezamos para que secassem através da ventilação, não podíamos intervir no documento de uma maneira mais invasiva naquela situação calamitosa. Situação que torna viável a extinção dessas relíquias em sua forma física.

Conta seu Paulo, cada vez que relembra a presença dos pesquisadores na unidade, que em 2015, mais ou menos, o processamento de documentos que estava sendo feito pelo pessoal do Departamento de História da UFRN foi suspenso porque faltou dinheiro para pagar o trabalho. Ainda conseguiram digitalizar algumas coisas relacionadas à instrução pública e nada mais.

Diversas expedições orquestradas pelo Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte têm tentado salvaguardar a vastidão do acervo do arquivo. Destaca-se aqui a atuação do Repositório do Laboratório de Imagens da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Labim), que expõe seu acervo digital, assim como o acervo digital do Departamento de História da UFRN. O laboratório centra suas atividades na captura de imagens de livros, jornais, mapas, fotografias e outros tipos de documentos históricos, relacionados à História do Rio Grande do Norte.

Mesmo com o esforço poderemos encontrar disponíveis na internet apenas alguns exemplares de diários de classe e edições da revista RN Econômico. Se comparados à imensidão de arquivos preciosos, salvou-se uma mísera pérola pertencente a um grande tesouro escondido. A existência de arquivos que nem mesmo a Biblioteca Nacional Digital possui em seu longo espólio virtual preocupa ante a possível extinção que assombra os corredores do arquivo.

A falta de tecnologias que auxiliem na busca por documentos, na digitalização e exposição à rede mundial de computadores do Arquivo Público, o menor dos problemas observados, porém não menos importante, é fator somático para o esquecimento do que há nas profundezas do local.

A inserção da tecnologia em locais como esse deve servir para aproximar a geração que já possuímos, e que não é vindoura, já bate em nossas portas e carece de conhecimento. Que sequer sabe o paradeiro do Arquivo Público do Rio Grande do Norte, pois em seus sites oficiais não existem informações atualizadas de sua atual localização, e nos noticiários, parece-me, só existe lugar para o arquivo quando alguma catástrofe destruidora o acomete

O Arquivo Público deve ser um órgão que presta serviços a sua comunidade e não pode ser tratado como um antiquário de um intelectual preocupado em colecionar suas relíquias de maneira intocável. Os processos de consulta, manutenção e restauro devem ser ágeis e o lugar deve ser atrativo aos seus visitantes, funcionários e pesquisadores.

Luiz Melo Pesquisador.