*Alexsandro Alves
É o terceiro livro da autora potiguar Kalina Paiva, seu segundo de poesia, Cantigas de amor e guerra é um livro mais leve, mais fluido e mais agradável de ler do que seu antecessor, Gatilhos poéticos.
Isso pode significar um amadurecimento da autora e, ao menos tempo, um olhar mais cirúrgico do que é compor poesias.
Porque Gatilhos é, em alguns poemas, enferrujado, como no dedicado ao caso Mari Ferrer, em que o ardor da denúncia impediu uma maleabilidade mais orgânica com as palavras, que parecem soar staccato nos ouvidos, ou mesmo artificiais, não se harmonizam.
Cantigas não sofre desse problema. Seus poemas são, em grande parte, desaguados de forma lírica e intimista, são versos que correm em seu curso com um objetivo claro para onde querem chegar e chegam.
Também é um livro mais harmônico na emoção e em sua expressão. Seus poemas são suavemente tristes. O que é um ponto a mais para a sensibilidade de sua autora, que coloca seus versos em meio a uma temática como a guerra: falam de sangue, de mortes, de abandono, de solidões e de invasões, porém não há um desespero de denúncia, algo como mostrar um caminho, o que há é a esperança em ainda permanecer respirando em meio à fumaça dos dias. Essa esperança é o próprio ato de escrever.
E essa guerra, o que é?
As dez estrofes do primeiro poema, despertador, podem dar pistas:
Voe, / voe até que suas asas peguem fogo!
Amanhã, mirando novamente o sol, / voe alto de novo.
A queda é só um pouso, / ou rasante para impulso novo.
E faça isso em cada manhã que nascer, / em cada dia que colher, / em cada verso que escrever.
O amor tem seus tempos.
Kalina Paiva busca sua inspiração em Vinícius de Morais, Augusto dos Anjos, Gonçalves Dias, Ana Cristina César; no rock nacional de Lobão, no Caetano pós desbunde, na mitologia grega (assim com em Gatilhos) e na vida boêmia natalense,
Porém, essas inspirações ou influências não estão destacadas. Elas se emaranham dentro da trama, se misturando no fluxo e não permanecendo tão aparente. A sofisticação da autora em reinterpretar mitos clássicos também está presente aqui, embora, não tão vertiginosamente quanto no livro anterior.
É que aqui todas as influências estão depuradas.
O formato do livro também é cíclico. Inicia e conclui com imagens do fogo (despertador e Ariel), em seu centro, o poema Afresco, com metáforas imagéticas de sensualidade em que líquidos, como água e tinta, e lugares de se beber, bares e tavernas, se aliam a verbos como jorrar e pincelar.
Falando em elementos naturais, há um jogo entre fogo e água no livro, em que se identifica este segundo elemento com o prazer. Não apenas por Afresco, mas por outros poemas ao longo do livro.
É um livro muito agradável de ser lido em que a metralhadora giratória dos Gatilhos poéticos não se escuta tão escancaradamente.
FICHA TÉCNICA:
Cantigas de amor e guerra, de Kalina Paiva. Natal/RN: Trairy, 2023. 58 pp.