• search
  • Entrar — Criar Conta

Os cenários narrativos das Histórias em Quadrinhos

Colaborador de Navegos, amante e pesquisador de Histórias em Quadrinhos ressalta a importância impactante do cenário sobre a narrativa e chama a atenção dos apreciadores do gênero sobre a obra de Will Eisner, Jason Lutes, Richard McGuire e outros mestres da mesma estirpe.

*Renato de Medeiros Jota

[email protected]

Quando Will Eisner lançou a hq New York não se tinha ideia exata do impacto que essa hq iria causar. Destoando das hqs de então, com seus temas coloridos de super-herois ou tingidos de cor rubra monocromática do terror, o criador do detetive fantasma Spirit inauguraria uma nova forma de contar histórias. Utilizando de personagens quase reais, pessoas comuns com seus dramas particulares Eisner simplesmente inovou na narrativa gráfica atribuindo interesse nas hqs a heróis sem poderes, mas apenas munidos de seus vícios e virtudes, pessoas comuns que ganham as ruas, vivendo em sarjetas ou apertados em sobrados e apartamentos miseráveis. Os limites narrativos de suas histórias extrapolavam apenas as diferenças de humor da vizinhança ou na relação familiar. Os conflitos e dramas do dia a dia era o pano de fundo de suas histórias em meio a pessoas nem tão puras e nem tão sádicas, apenas eram pessoas.

Foi através do desenvolvimento da própria narrativa gráfica das comics ou hqs feitas por Eisnerc que mudou o status quo das hqs como a conhecemos e mostrou aos articuladores das histórias a capacidade de criar mundos, lugares magníficos, expressaram a realidade com seus edifícios, becos, avenidas, ruas, automóveis, becos e os utilizaram como cenário, lugar e local onde conflitos e dramas de personagens são narrados. Posteriormente, com o desenvolvimento dos temas e seus subsequentes aprofundamentos começaram a se tornar matéria recorrente e tais lugares, imóveis e terras poderiam ser tomados como personagens próprios por terem desenvolvido uma ligação emotiva com os personagens e leitores.

Considerado um dos mestres dos quadrinhos, Eisner foi um inovador da narrativa gráfica ou novela gráfica (Graphic Novels), termo proposto por ele para nomear quadrinhos diferenciados por seus temas e tramas. Percebendo as modificações do gênero Eisner observou que os quadrinhos estavam evoluindo em forma e conteúdo. O uso das onomatopeias como ornamento dos quadrinhos fazendo uma síntese entre o desenho e o ambiente proposto pelo artista, Einser radicalizou essa utilização ao propor a inserção dinâmica da Onomatopeia como parte narrativa da história.

Outras inovações foram testadas por Eisner, como usar a arquitetura nos requadros quebrando a quarta parede do quadrinho e fazendo parte do foco narrativo. Outras maneiras de narrativas foram testados aos limites pelo quadrinhista norte americano criador do Spirit como utilizar personagens secundários para contar sua história sem que o personagem título aparecesse na narrativa. A utilização de cenários, ruas, bairros, locais de encontro ou desencontro tudo podia ser motivo de se contar uma história, como por exemplo um Edificio, ou uma Avenida Dropsie. Eventos também poderiam ser ótima maneira de se contar histórias como a primeira e a segunda Guerra, A guerra do Vietnam. A vanguarda de Will Eisner é inquestionável, mas o reconhecimento de sua preferência em hqs que abordam o cotidiano e histórias humanas é notória.

Vale destacar aqui a figura de vanguarda de Will Eisner para os autores de quadrinhos contemporâneo que abordam temas urbanos. Os exemplos de temas urbanos são muitos indo desde a história centrada em um local, residência, casa, apartamento ou mansão, pode ser fonte de uma história. Essa conclusão se torna evidente em Hqs como Berlim de Jason Lutes que aborda uma história de um personagem na cidade alemã e seus conflitos pré guerra, podemos citar Aqui de  Richard McGuire que narra uma história literalmente de um canto de uma casa, além dessa hq de McGuire podemos citar outra hq chamada Do inferno nome dado as cartas enviadas pelo suposto Jack o estripador, a novidade que é a cidade de Londres e o distrito chamado de Whitechapel do escritor Alan Moore, outra cidade The City (A cidade) a cidade onde passa os conflitos de Spider Jerusalem na hq Transmetropolitan, outra cidade que é a própria essência da história chamada Megacity One, lugar onde acontece as aventuras do Juiz Dred, outra cidade é a história BaSin City cidade e local dos acontecimentos onde ocorre as tramas do universo elaborado pela mente fértil de Frank Miller.

Como dá para constatar, cidades como cenário e até mesmo como personagem que faz parte essencial da trama de uma hq, porque não encarar assim, são tão importantes para a ação como os personagens, mas os locais, eles também servem e são parte importante de yna hq. Bons exemplos disso podemos encontrar em becos e ruas por onde passeiam personagens como em ZDM: terra de ninguém, de Brian Wood e Ricardo Burchielli, além de lugares como a Mansão e a Casa dos Mistérios, onde os personagens da Dc passeiam. Temos ainda locais e lugares como o Pantano na Louisiana onde as aventuras do Monstro do Pantano acontece. Um tempo especifico também pode se tornar imprescindível para o desenrolar de tramas como na ficção cientifica Camelot 3000 de Mike W. Barr ou Dreadstar de Jim Starlim.

Existe até lugares que só existem no mundo dos sonhos como neverland ou na imaginação como o mundo de Calvin e de seu animal de pelucia Haroldo, fruto da criação de Bill Walterson. O que podemos concluir a partir dessas reflexões sobre como cenários que contém becos, ruas, cidades, lugares e até mesmo universos ganham personificação próprias e são importantes para o desenvolvimento da narrativa. O que nos leva a concluir que muitas vezes o lugar onde ocorre as histórias das hqs é tão importante quanto os personagens. Ora, o que seria de Batman sem Gothan City ou de Superman sem Metropolis. Imagina ainda como as tramas do Desafiador sem o cenário das montanhas do Tibet e menos ainda de Tarzan sem as selvas africanas. O cenário, o lugar que serve de pano de fundo dos personagens, onde eles se locomovem, vivem, trabalham, lutam, ganham e perdem é a expressão viva do drama, fonte em que todas ações e conflitos convergem para o final arrebatador. Depois, de tudo personagens mudam, saem de cena e novos entram, mas o que sempre permanece é o cenário, o lugar onde se desenrola os atos dramáticos, local onde tragédias acontecem ou amores inciam.

Enfim, pensando sem compromisso, como um escritor faria, concluo que os artistas dos quadrinhos ao criar seus personagens, pensam antes onde ele viverá, o lugar onde a trama acontecerá, as ruas por onde andará, os bares mais conhecidos da cidade onde encontrará os amigos ou os inimigos, depende do que pede o roteiro no momento, para só depois começar a contar a história do personagem, pois do local da hq já iniciou bem antes. Acredito que isso é o que faz uma hq ser grande, ter todo esse trabalho para caracterizar esse grande ator, sujeito oculto nas hqs e na qual não aparece muitas vezes nos créditos. Espero que esse pequeno artigo sirva mostrar aos leitores como é importante o cenário em uma história em quadrinhos.