*Neusa Soliz
“Toscanini tinha uma obsessão que acabou sendo trágica, pois deixou de reger aos 87 anos, sem jamais ter se contentado com o resultado de uma sequer de suas apresentações.” A afirmação é de Friedelind Wagner, uma neta de Richard Wagner que bem conheceu o trabalho do grande maestro italiano. Sua avó, Cosima Wagner, a viúva do compositor alemão, nomeou Arturo Toscanini diretor musical do Festival de Bayreuth em 1931. Cargo da qual pediria demissão pouco tempo depois, quando os Wagner aderiram ao nazismo.
Poucos tiveram uma carreira como a dele: diretor do Scala de Milão, regente nas principais salas de concertos do mundo, como a Metropolitan Opera de Nova York e o Festival de Salzburgo, diretor da Filarmônica de Nova York, famoso e temido por sua impiedosa precisão.
Sua carreira como maestro começou por acaso e no Brasil. Em 1885, aos 19 anos, ele participava de uma turnê como violoncelista, quando o regente adoeceu repentinamente e precisou abandonar a orquestra no Rio de Janeiro, numa montagem da Aída, Verdi.
Toscanini assumiu a batuta e teve grande sucesso. Consta que ele nem precisou de partitura para reger a obra, o que continuou fazendo a vida inteira, tal era a sua memória musical. Ele conhecia as peças nota por nota, percebendo todo e qualquer erro, por mínimo que fosse. Exigente por natureza, não havia músico que satisfizesse o alto padrão por ele imposto.
A busca do fogo da perfeição
Friedelind Wagner assistiu a um ensaio de Fidelio em Salzburgo, com a participação da cantora Lotte Lehmann. Segundo ela, todos haviam trabalhado horas seguidas e não havia como satisfazer Arturo Toscanini. Em seu desespero, Lotte Lehmann foi conversar com ele. “Mas mestre, por que a interpretação não é do seu agrado?” Ele só respondeu: “Manca il fuoco!” – falta fogo. Ou seja, ele esperava dos músicos e cantores, após cinco horas de ensaio, ou mesmo que fossem 24 horas, o mesmo ‘fogo’ que punha em seu trabalho e exigia de si mesmo”, lembra a neta de Richard Wagner.
Nascido em 25 de março de 1867 em Parma, Arturo Toscanini conseguiu estabelecer uma ligação entre os séculos 19 e 20, entre a era do romantismo e a contemporânea. Manteve contato e trabalhou com os principais compositores do final do século 19, como Respighi e Puccini.
O disco, o novo instrumento de difusão da música, deve ao maestro Arturo Toscanini as primeiras gravações orquestrais de qualidade. Friedelind Wagner: “Teve peças musicais que ele gravou 10 ou 20 vezes e que nunca saíram sob a forma de disco, porque algum detalhe mínimo não lhe agradava. Era quando o maestro interrompia a gravação, batia com a mão na testa e dizia – ‘mas eu sou um idiota!’. Ele nunca esteve satisfeito consigo mesmo”.
Horowitz – um dos poucos músicos que respeitava
A exatidão insuperável de Arturo Toscanini tornou suas interpretações especialmente dinâmicas e transparentes, momentos áureos da história dos concertos, mesmo que o resultado nunca tenha atingido a perfeição que ele tanto buscava. Pouquíssimos músicos compraziam seu alto padrão artístico. Um deles foi seu genro, o pianista Vladimir Horowitz. Com os outros dirigentes, não tinha complacência.
Friedelind Wagner relembra: “Certa vez, Toscanini estava em Nova York, escutando música no rádio e os apresentadores anunciavam: o Dr. Kousewitzky rege isso e aquilo, agora o Dr. Rodjensky regerá tal concerto, e depois o Dr. Stokowsky vai reger não-sei-o-quê… Toscanini balançou a cabeça e disse – ‘todos doutores, mas nenhum maestro!'”
Sua posição frente à vida era tão incondicional como em relação a seu trabalho. Sua demissão voluntária do Festival de Bayreuth espelha a sua decisão quando os fascistas assumiram o poder, Toscanini, assim como Friedelind Wagner, declarara-se antifascista e virou as costas à Europa para sempre. Os simpatizantes do regime italiano foram por ele punidos com desprezo perpétuo. Toscanini morreu em 16 de janeiro de 1957, aos 90 anos, em Nova York.