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Os homens wagnerianos: Wotan

O início de uma série de três artigos sobre personagens do ciclo “O anel do nibelungo” e de “Tristão e Isolda”, de Richard Wagner. No primeiro, Wotan, personagem do Anel.

*Alexsandro Alves

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Os três artigos sobre personagens wagnerianos serão sobre Wotan e Siegmund, do Anel e Tristão, de Tristão e Isolda.

Uma pergunta válida é: por que não seguir nessa ordem: Wotan, Siegmund e Siegfried? Seria perfeitamente lógica essa sequência, pois são personagens de um mesmo ciclo de óperas e são, pela ordem, tendo como início Wotan: pai, filho e neto.

A primeira resposta é que, no caso de Siegfried, há em meu livro Estética, política & conservadorismo, um ensaio sobre o personagem. Em segundo lugar, Tristão é um personagem que fala mais à alma contemporânea do que Siegfried. E por fim, em terceiro lugar, o personagem de Tristão e Isolda, por ser um oposto de Wotan, surgiu naturalmente como uma terceira opção, por ser o reflexo oposto do deus nórdico.

Wotan é o deus maior, o pai de todos, como é chamado, na mitologia germânica. Possui vários outros nomes como Woden, Wodan, Voton e, conforme é mais conhecido, Odin.

A trilogia com prólogo O anel do nibelungo (chamada algumas vezes de Tetralogia), é composta de quatro dramas musicais: O ouro do Reno, A valquíria, Siegfried e Crepúsculo dos deuses. O significado da obra é incerto, até mesmo o final é inconclusivo, sendo essas caraterísticas dramatúrgicas uma das novidades teatrais da obra.

São três os personagens protagonistas centrais: Wotan, sua filha Brünnhilde, uma valquíria, e seu neto Siegfried, estes possuem perspectivas dramáticas diferentes, e isso fortalece a impressão de que o Anel não tem um assunto específico. Do ponto de vista de Wotan, a obra é sobre o desejo e a escravização do poder; do ponto de vista de Brünnhilde, a compaixão que vai, aos poucos, substituindo a noção de poder herdada do pai e do ponto de vista de Siegfried, a obra é sobre a libertação de qualquer forma de poder.

Se quiséssemos forçar um tema único para o Anel, poderíamos afirmar que a obra é sobre o poder. Poder esse centrado em dois personagens: Alberich e Wotan, objeto desse artigo.

Como personagem wagneriano, ele aparece nas cenas dois, três e quatro do Ouro do Reno, no segundo e terceiro atos da Valquíria e nos três atos de Siegfried, não aparecendo, embora bastante citado, no Crepúsculo dos deuses.

Ele é reinterpretado de maneira contemporânea. Em sua primeira aparição, Wotan precisa pagar a construção do Walhalla para os irmãos gigantes Fasolt e Fafner, mas após a construção do castelo, não o faz. À medida que a obra progride, Wotan encarna as mais variadas noções de poder: ele é o homem rico que explora o trabalho alheio, ele é o esposo imprudente, ele é o pai possessivo (com Brünnhlide) e, por outro lado, um pai ausente (com os gêmeos Siegmund e Sieglinde), além de ser manipulador.

No entanto, Wotan, ao mesmo tempo que deseja o poder, reconhece seus malefícios, porém não consegue dele livrar-se, está preso ao sistema que governa, exatamente porque é esse sistema que faz dele o que ele é. O deus não tem vida além de seu próprio poder.

Todos os personagens wagnerianos possuem um tema musical específico, o leitmotif, exceto Wotan.

Este é lembrado por elementos fora dele: a Lança, os Tratados, o Walhalla – todos símbolos de poder.

Levi-Strauss interpretava o Anel como um drama de família.

Nesse aspecto, a família em questão, a de Wotan, é disfuncional.

Governada com mão de ferro pelo pai, encontramos nessa família muitos aspectos disfuncionais.

O genitor autoritário, a esposa humilhada, filhos que precisam realizar sonhos paternos.

Porém ainda há amor em Wotan. Mas em Wagner amor e poder anulam um ao outro, não podem coexistir. Nessa obra em particular, os relacionamentos que dão certo são sempre os que a lei considerada errados: o incesto e o adultério. O casamento tradicional é sempre disfuncional e compreendido também como uma manifestação do poder.

Notamos que Wotan deseja o amor, amor livre, mas sendo incapaz de se desapegar do poder, almeja o fim de tudo. Por exemplo, na cena com sua esposa, a deusa do matrimônio Fricka, no segundo ato da Valquíria. A deusa vai queixar-se a Wotan por conta de Hunding. Este teve o lar ultrajado pelo adultério. Sua esposa, Sieglinde, abandonou o lar com outro homem, Siegmund. Além disso, são irmãos gêmeos. Fricka deseja a morte do casal, mas Wotan afirma que não vê nada sacrílego no ato, segundo o deus, sacrilégio existe em uma união onde não há amor, se os gêmeos se amam, devem ser abençoados. No vídeo abaixo, um pouco dessa cena. Iniciando com o prelúdio do segundo ato, continuando com a cena inicial entre Wotan e sua filha Brünnhilde, onde ele ordena à valquíria que proteja Siegmund; quando Brünnhilde sai, entra Fricka. O vídeo tem legendas em português.

 

O apego desse casal aos laços matrimoniais é mais característica de um apego ao poder do que a qualquer outro motivo. O casamento como símbolo da manutenção de um sistema, como fonte de estabilidade e de posição social. Ao mesmo tempo, na continuação da cena com sua esposa Fricka, no segundo ato da Valquíria, a sombra de homem poderoso e controlador de Wotan também seduz a deusa, ela deseja manter certas aparências, a família, o status de ser casada com quem é se torna mais importante do que a felicidade. A deusa está ali exatamente para lembrar a Wotan tudo isso. A derrota do deus ante Fricka dá-se porque ele aceita a manutenção desse status quo com todas as contradições que o sustentam.

Uma outra faceta de Wotan é sua busca por sabedoria. São nesses momentos que aflora, mesmo que timidamente, um outro personagem.

Em Siegfried, ele não é mais conhecido por Wotan, mas por Wanderer, o Andarilho.

Como o Andarilho, vaga pelo mundo à procura de Erda, a deusa da terra e da sabedoria. Quando a encontra, esta nada pode ajudar-lhe. A sina pelo poder tornou a sabedoria muda, e o diálogo entre ele e Erda termina com o Andarilho desesperado e a deusa da sabedoria, inconsciente.