*Robert Walser
“Caminhar”, respondi, “é essencial para mim, para me encorajar e para manter contato com o mundo vivo, sem cujas sensações eu não poderia escrever mais meia carta ou produzir o menor poema em verso ou prosa. Sem caminhar eu estaria morto, e minha profissão, que amo apaixonadamente, seria aniquilada. Sem andar por aí e receber relatórios, eu não seria capaz de enviar nenhum relatório ou escrever o menor artigo, muito menos um pequeno romance inteiro. Sem caminhar não seria capaz de fazer observações ou estudos. Numa bela e longa caminhada, me ocorrem mil ideias úteis. Trancado em casa, eu ficaria arruinado e secaria miseravelmente. Para mim, caminhar não é apenas saudável e bonito, mas também cômodo e útil. Uma caminhada estimula-me profissionalmente e ao mesmo tempo dá-me prazer e alegria a nível pessoal; Recria-me e consola-me e faz-me feliz, é um prazer para mim e ao mesmo tempo tem a qualidade que me entusiasma e me estimula a continuar a criar, ao mesmo tempo que me oferece numerosos pequenos e grandes objetos como material que eu então crio zelosamente em casa. Um passeio está sempre repleto de manifestações importantes que valem a pena ver e sentir. Belos passeios muitas vezes estão repletos de imagens e poesias vívidas, feitiços e belezas naturais, por mais curtos que sejam. A natureza e os costumes abrem atrativos e encantos aos sentidos e ao olhar do caminhante atento, que naturalmente tem que caminhar não com os olhos baixos, mas sim abertos e claros. Pense em como o poeta deve empobrecer e falhar miseravelmente se a bela natureza materna, paterna e infantil não o refresca continuamente com a fonte do bem e do belo.
Pense em como para o poeta a instrução e o ensinamento sagrado e dourado que ele obtém lá fora, ao ar livre, são sempre da maior importância. Sem o passeio e sem a contemplação da Natureza a ele ligada, sem aquela indagação tão prazerosa quanto cheia de avisos, sinto-me perdido e de fato estou. Com supremo carinho e atenção, quem caminha deve estudar e contemplar o menor dos seres vivos, seja uma criança, um cachorro, um mosquito, uma borboleta, um pardal, um verme, uma flor, um homem, uma casa, uma árvore , um arbusto, um caracol, um rato, uma nuvem, uma montanha, uma folha ou apenas um pobre pedaço de papel descartado, no qual talvez um bom estudante tenha escrito suas primeiras e desconexas cartas. As coisas mais elevadas e as mais baixas, as mais sérias e as mais engraçadas, são igualmente caras, belas e valiosas para ele. Ele não pode carregar consigo nenhum tipo de amor próprio e sensibilidade sensível. Seu olhar cuidadoso deve vagar e deslizar por toda parte, desinteressado e altruísta. Ele deve sempre ser capaz de se dissolver na observação e percepção das coisas, e deve adiar, desprezar e esquecer de si mesmo, de suas queixas, necessidades, deficiências, privações, como o soldado corajoso, prestativo e disposto a se sacrificar na campanha. Caso contrário, ele anda apenas com metade da atenção e metade do espírito, e isso não vale nada. Você tem que ser capaz de ter compaixão em todos os momentos, de identificação e entusiasmo, e espero que assim seja. Tem que subir e afundar com grande êxtase e saber descer até o mais profundo e mínimo da vida cotidiana, e provavelmente sabe como.
Mas esse dissolver-se e perder-se fiel e dedicado nos objetos e esse amor ciumento por todas as manifestações e coisas o torna feliz, assim como todo cumprimento de uma obrigação torna feliz e rico no mais íntimo quem tem a obrigação de cumprir. O espírito, a dedicação e a fidelidade satisfazem-no e elevam-no acima da sua própria pessoa insignificante de andarilho, que muitas vezes tem fama e má fama de errante e de perda inútil de tempo. Seus múltiplos estudos o enriquecem e entretêm, acalmam-no e refinam-no e às vezes tocam, por mais improvável que pareça, com a ciência exata, o que ninguém acreditaria vindo do caminhante aparentemente frívolo. Você sabia que minha cabeça trabalha duro e teimosamente, e muitas vezes sou ativo no melhor dos sentidos, quando pareço um rapaz arrogante e uma pessoa frívola, sem responsabilidade, sem pensamento ou trabalho, perdido no azul ou no verde, lento , sonhador e preguiçoso, quem causa a pior impressão? Secreta e misteriosamente, todos os tipos de belos e sutis pensamentos ambulantes acompanham o caminhante, de tal forma que no meio de sua caminhada zelosa e atenta ele tem que parar, fazer uma pausa e ouvir, pois é cada vez mais levado e confuso por impressões estranhas. e pela força encantadora do espírito, e tem a sensação de afundar repentinamente na terra ou de que um abismo se abre diante de seus olhos deslumbrados e confusos de pensador e poeta. Sua cabeça quer cair e seus braços e pernas, de outra forma vivos, estão como se estivessem petrificados. Paisagem e pessoas, sons e cores, rostos e figuras, nuvens e sol giram como sombras ao seu redor, e ele tem que se perguntar: “Onde estou?”
A terra e o céu fluem e precipitam-se repentinamente em uma névoa relâmpago, brilhante, aglomerada e imprecisa; o caos começa e as ordens desaparecem. Laboriosamente, a pessoa abalada tenta manter seu conhecimento saudável; ele consegue e continua caminhando com confiança. Você considera completamente impossível que num passeio gentil e paciente você encontre gigantes, tenha a honra de ver professores, encontre livreiros e bancários ao passar, converse com futuros jovens cantores e ex-atrizes, coma com senhoras engenhosas, passeie por florestas, enviar cartas perigosas e lutar violentamente com alfaiates insidiosos e irônicos? Tudo isso pode acontecer e acredito que de fato aconteceu. O caminhante está sempre acompanhado de algo curioso, reflexivo e fantástico, e seria um tolo se não levasse isso em conta ou mesmo o afastasse de si; mas isso não acontece; antes, acolhe todo tipo de manifestações estranhas e peculiares, faz amizade e confraterniza com elas, porque as ama, transforma-as em corpos com essência e configuração, dá-lhes formação e alma, enquanto elas por sua vez o animam e o formam. . Em suma, ganha o pão de cada dia pensando, ruminando, vasculhando, cavando, meditando, inventando, analisando, investigando e andando por aí com tanta relutância quanto qualquer outra pessoa. E embora eu possa fazer a cara mais satisfeita do mundo, sou sério e consciencioso ao mais alto grau, embora possa parecer nada mais do que delicado e sonhador!
Robert Walser
The Walk
