*Lívio Oliveira – advogado público e escritor
OS PÉS nas pedras e suas falhas pontiagudas. Havia sempre o risco de cair e sofrer arranhões e cortes. Mesmo assim, a gente insistia em brincar sobre os arrecifes. De um lado, as dunas horizontalizadas e a cidade apresentando os topos quadrados dos prédios. Do outro, mais mar. Muito mais. Muito mar. As ondas batiam nas pedras e desenhavam umas cavernas, pequenas grutas. O risco existia, fosse aqui ou ali, da gente se machucar. Mas era sempre o que trazia o movimento: o risco. Era do movimento que a gente se alimentava. Não renunciar ao movimento fazia crescer. Renuncia-se a tudo, menos ao movimento, que significa vida. Pergunto hoje sobre o porquê de crescer. O mar ainda é a esperança. E vai. E vem. E continuamos vivos e correndo riscos, todos os que forem necessários à obtenção de energia e vida.
O FASCÍNIO que o mar me traz é o que justifica – talvez em maior parte – a minha paixão por Natal. A cidade em que nasci tem me causado tristezas nos últimos anos. Vejo uma parte da nossa história se apagando aos poucos. Não somente edificações que vão ao chão juntamente com as nossas lembranças. Não somente bairros inteiros vão sendo relegados a um cruel esquecimento. Também ocorre uma perda de sentido, de identidade. Não sei explicar isso. Não sei. Por isso, volto o meu olhar para o oceano e sinto que o meu pensamento flutua, navega os anos todos que já vivi por aqui. Os meus olhos se unem às vagas da inquietude. O mar é mesmo a esperança.
NO BALANÇAR das águas do mar: aí onde guardo as melhores sensações. O sentido de religação é algo que me carrega diretamente para o útero materno, onde me envolvo infinitamente com o meu próprio significado. Traduzo uma pequena parte de toda a minha alma impregnada dos sais que não aderiram à decisão dos ventos. Minha alma de marujo é mesmo essa: o vento, o norte, a bússola (que às vezes vale a pena perder) e a onda, com toda a sua força, em que ponto da praia vier a quebrar.
A PRAIA DO FORTE foi, na infância, o território mais livre e fascinante do mundo. Caminhava com o meu pai e observava as pegadas na areia, as minhas e as dele, enquanto aquele barulhinho cantante da fricção dos pés com a areia nos fazia rir. As pegadas do meu pai eram grandes, mais fundas, apontavam para a frente. As minhas eram pequenas, leves, superficiais, sempre irregulares e em sinuosos sentidos (o que denunciava a minha frequente inquietude). Com os anos, pude observar somente as minhas, que cresciam e se definiam mais firmes, até que comecei a fazer pausas inúteis, aguardando rever as pegadas do meu pai ao lado das minhas. Foi aí que eu decidi, mesmo com lágrimas e sal no rosto, acelerar o passo em busca da Fortaleza dos Reis Magos. E decidi que, ao chegar lá (ainda está distante), retornarei para ver se as marcas dos pés do meu pai não foram apagadas pelas ondas contínuas e cruéis da vida.
NOS DIAS DE CHUVA gosto de observar o mar, mesmo que a visibilidade seja pouca, a imaginação aumenta. Penso nas grandes possibilidades que ele oferece: travessias. A vida dentro dele me seduz como se eu fosse um Cousteau ou até um Capitão Nemo. Minha mente cuida de ideias que nem Júlio Verne formularia. Tanta coisa. Tanto mar, tanto mar… (salve, Chico!). Ainda mais rútilo fica o olhar que se projeta até outras terras, outros povos, outras conquistas, outros mares, outros infinitos e inevitáveis mares.