*Alexsandro Alves
Retornei à leitura de Proust. Sua obra-prima é “Em Busca do Tempo Perdido”, em sete volumes. Iniciei o quinto, “A Prisioneira”. Estes três últimos romances da série são bem mais curtos do que os quatro primeiros, verdadeiros “tours de force” que, em compensação, abrem a nossa vida a uma das mais significativas experiências literárias da humanidade. Sem exageros. Não podemos deixar Proust passar sem conhecê-lo.
Para mim, uma das coisas mais atraentes na obra de Proust é que não há um único personagem, até agora, verdadeiramente masculino – digo, do que a tradição tem por homem masculino. Proust escreve como se seu mundo fosse povoado majoritariamente por homens gays, assumidos ou não assumidos, esta última categoria, preferencialmente.
Me parece que há um certo prazer no autor em fazer seus personagens homens esconderem seus sentimentos sexuais por outros homens. Com o passar da leitura de “Em Busca do Tempo Perdido”, descobrimos que a “sociedade é gay”, para usar uma expressão que cai bem na boca de um Luiz Mott.
Os que não são de fato “invertidos”, usando o termo de época para gays e lésbicas, na maioria das vezes são descritos com certa superficialidade, excetuando-se a duquesa de Guermantes, que possui páginas e mais páginas a ela dedicadas, sobretudo no primeiro romance, “No Caminho de Swann” e no terceiro, “No Caminho de Guermantes”.
As descrições da duquesa são tão impressionantemente detalhistas que parecem uma pintura.
E uma pintura impressionista, porque Proust está inteiramente mais atento aos detalhes e aos sentimentos do que ao propriamente ao físico – embora quando sentencie uma qualidade física de algum personagem, a impressão soa tão vívida, que é como se conhecêssemos o indivíduo descrito, como se ele estivesse ao nosso lado.
O pincel literário de Proust usa as palavras como tintas que exigem que cheguemos cada vez mais próximos, que estejamos cada vez mais atentos, um detalhe, uma cor que parece sem importância – desse detalhe mais insignificante, no parágrafo seguinte, Proust constrói um afresco.
E esses afrescos literários são devotados quase que exclusivamente aos personagens homens. Poucas mulheres são descritas com tanta meticulosidade. E quando são, parecem seres um tanto distantes, diáfanos mesmo.
A mãe do Narrador é carregada de sentimentos infantis; a duquesa de Guermantes, é sentida como uma personagem mítica wagneriana; Albertina está sempre em fuga, sempre se movimenta. A mais erótica das mulheres é sem dúvida a mãe, de quem o Narrador ardentemente espera por beijos. Há também a avó, tia Leonie e Françoise, a empregada: todas mulheres da família ou acolhida na família, as descrições sensuais não lhes cabem.
A sua namorada, e futura esposa, Albertina, não tem um parágrafo, até agora, sobre a delícia que deve ser seu corpo. O mais sensual que Proust consegue com a personagem, é fazê-la encostar seus seios nos seios de uma amiga em um baile. Situação essa que não é percebida primeiramente pelo Narrador, mas que lhe é sugestionada por um amigo. E isso já desperta emoções dúbias nele.
E há uma dificuldade do personagem Narrador em resolver o problema de beijar a namorada! São tantas idas e vindas!
Porém, quando o Narrador fala de seu amigo, o jovem Guermantes Robert de Saint-Loup, sentimos o freio soando bem devagar, e mais devagar, estacionando, contemplando o mínimo, sentindo inclusive o que é sequer mencionado, desenhando bem devagar o não dito, o tempo se estende, se prolonga, se espreguiça muito satisfeito.
E há o Barão de Charlus. Mas fica para depois. Este personagem, enigmático, descrito como violento, por uns, como agressor de homossexuais, por outros, possui a alma mais afeminada de toda a obra. Enrustido. Observador. Espirituoso. Sarcástico.
Em futuros artigos desejarei retornar a esses personagens.