*Ary Quintella
A primeira parte desse artigo você encontra aqui.
Margaret de Windt passou proporcionalmente pouco tempo em Sarawak. Era porém seu título de Rani que lhe conferia prestígio na Europa. Frequentava a corte inglesa, junto à qual conseguiu diversas vantagens cerimoniais para Sarawak e o marido – para desgosto dele, que não apreciava suas interferências. Em 1901, obteve do novo rei, Eduardo VII, uma definição protocolar do status de Charles e, portanto, dela própria. O Rajá nascido na paróquia provinciana de Berrow, no interior de Somerset, ficava formalmente reconhecido como soberano de um Estado independente sob proteção britânica; os dois recebiam o título de altezas e eram inscritos, na ordem de precedência, logo após os príncipes reinantes indianos.
A facilidade com que Margaret, e, antes dela, o marido, construíam para si, por meio de suas memórias, uma imagem de exotismo e heroísmo tampouco atrapalhava sua popularidade. Próxima do príncipe Alberto I de Mônaco e sua mulher, a “soberana” de Sarawak frequentava artistas e escritores na França e na Inglaterra. Good Morning and Good Night narra episódios de sua amizade com Henry James, iniciada na década de 1890 e que durou até a morte do romancista. No primeiro encontro entre os dois, em Londres, na casa de uma conhecida comum, o escritor é descrito como um homem condescendente. A Rani afirma já haver então lido Roderick Hudson, Daisy Miller e The Princess Casamassima e elogia essas obras. Henry James levanta a mão ao ar e afirma: No, my dear lady, no, I can do better – I can do better than that. Margaret retruca: Oh, how can you say so? Surely they are quite perfect? A mão do escritor desce. Henry James olha para Margaret Brooke com sorriso de comiseração e responde: Well, as you will! But why are you here? You come from a land where the bulbul sings.
O livro menciona Pierre Loti – que dedicou um conto a Margaret – Maupassant, Rudyard Kipling, Swinburne, o pintor Edward Burne-Jones, a atriz Sarah Bernhardt. Parece haver consenso de que a Rani de Sarawak chegou a viver um romance, na década de 1890, com o jornalista americano William Morton Fullerton, quinze anos mais jovem, que não é mencionado em seus livros. Fullerton é hoje lembrado sobretudo pelo relacionamento amoroso com a escritora Edith Wharton e a amizade intensa que despertou em Henry James. Foi um desses personagens, como de uma certa forma a própria Margaret Brooke, que existem em toda parte, atraídos por escritores mais talentosos do que eles próprios. Ao fazerem parte da biografia alheia, preservam alguma fama após a morte.
Oscar Wilde, que lhe dedicou o primeiro conto de seu livro A House of Pomegranates (1891) – “To Margaret, Lady Brooke” – tampouco é mencionado, o que pode parecer estranho para nós, leitores do século XXI, cientes da perenidade de algumas de suas obras. Ocorre que quando Margaret escreveu seus livros de memórias, Wilde já morrera em desgraça, após o escândalo do seu processo e prisão. A mulher dele, Constance, precisara adotar outro sobrenome para si e os filhos, tal o constrangimento que passara a ser associado ao nome de Wilde. A Rani não viveu o suficiente para presenciar sua reabilitação.
Elemento constante na vida mutável de Margaret de Windt parece ter sido a busca por respeitabilidade, por afirmação de uma posição social. Não deixou, apesar disso, de prestar apoio a Constance, durante a prisão do escritor. Vyvyan Holland, filho de Wilde, escreve com gratidão a seu respeito, rememorando os dias passados perto de Gênova ao seu lado, e contando como sua mãe reencontrou alguma felicidade in the companionship of the Ranee, who was a comfort and a consolation to her until the time of her death three years later. Marie Belloc Lowndes afirma que o político trabalhista Richard Haldane visitou Oscar Wilde na prisão a pedido de Margaret. Foi graças a essa visita, é sabido, que o prisioneiro pôde receber livros e, mais tarde, caneta e papel, o que lhe permitiu escrever De Profundis, a longa carta da prisão de Reading.
É no afã de procurar demonstrar respeitabilidade que tem início Good Morning and Good Night. O castelo da avó em Épinay, onde Margaret crescera, é apresentado, nas primeiras páginas, como the home of the Rastignacs for generations. O “Reino do Terror” da Revolução Francesa, wreaking its hatred on the aristocrats, teria confiscado a propriedade e guilhotinado o marquês e a marquesa de Rastignac, “junto com tantos de seus amigos”. A única prole do casal, Elisabeth, bisavó de Margaret, teria sido “escondida pelos aldeões, que amavam os Rastignac”, e enviada à Holanda, para ser criada em segurança por um casal amigo, que a teria adotado. Mais tarde um filho do casal, Peter de Witt, casou-se com Elisabeth. Peter e Elisabeth de Witt teriam recuperado o castelo na França, onde foram viver, e o nome de Witt teria sido deturpado – pelos camponeses, afirma Margaret – em de Windt.
É um inteiro conto de fadas. Existem dois museus em Kuching celebrando o reinado de cem anos – de 1841 a 1946 – da dinastia Brooke. Ambos são administrados, com apoio do governo estadual, por uma entidade inglesa, Brooke Heritage Trust, presidida por Jason Brooke, descendente da família. Um dos museus, sediado no antigo Forte Marguerita, construído por Charles e nomeado em homenagem à mulher, é dedicado aos três Rajás Brancos. O outro, instalado no antigo Tribunal de Justiça, à vida de Margaret. O percurso pelas suas poucas salas começa com a reprodução de um quadro a óleo que representaria “o Marquês e a Marquesa de Rastignac, trisavós de Marguerite, por volta de 1780”.
As explicações do museu repetem, de forma acrítica, a versão fantasiosa oferecida por Margaret de suas origens. O tom esnobe da narrativa, com sua ingênua redução da Revolução Francesa ao “Reino do Terror”, ao “ódio pelos aristocratas” e à guilhotina é reproduzido pelo museu. Curiosamente, Margaret de Windt lembra nessa hora Lady Bracknell, personagem cômico de The Importance of Being Earnest, porta-voz assertivo, na peça, de valores sociais conservadores.