*Paul Valéry
Agora vou contar uma coisa sobre o pintor Edgar Degas, que eu conhecia muito, e que naturalmente pode ser colocado ao lado de Huysmans e Mallarmé. Você conhece bem o trabalho de Degas, hoje está em museus. O homem tinha a personalidade mais completa, a mais viva, às vezes a mais desconfortável; um homem de sagacidade, se é que houve um, e de inteligência singular. Quando o conheci, Degas morava em uma casa da rue Victor-Massé, hoje demolida, de três andares. No primeiro teve seu museu particular. Lá ele havia acumulado obras de pintores que amava. Ele tinha Corots, Delacroix, Ingres…, muito bonito. Acima dela estava sua residência, uma das casas mais questionavelmente varridas e esfregadas que já vi. Não havia nada lá além de poeira e maravilhas, seus desenhos favoritos cobriam as paredes.
Na terceira foi a oficina. Lá estava a banheira, a bacia e as esponjas que tantas vezes serviram aos seus modelos e que aparecem em tantas das suas pinturas. Mas eu não queria falar com você sobre o pintor ou o crítico admirável que ele era. Vou falar de um Degas menos conhecido, o Degas, homem de letras e poeta. Havia nele um escritor latente e, antes de tudo, um homem de inteligência, cujos ditos e frases são tão conhecidos que não os repetirei. Houve também um poeta Degas, um Degas que, desse ponto de vista, ocupa perfeitamente um lugar nestas memórias literárias que hoje vos relata. Não vou me referir a ele como um poeta amador. Degas, inteligência exata, não suportava permanecer no estado larval do amador.
Tive uma curiosidade imediata e infinita sobre tudo o que nas artes constitui o ofício, o que hoje se chama técnica. Então ele fez versos com a consciência de um ofício que não tinha; Também as fez com enorme esforço, como deve ser, porque quem escreve versos sem esforço não escreve versos. Quando estava mais desfocado, quando faltava ao artista a musa ou ao artista a musa, pedia conselhos; ele ia reclamar no ombro do povo dessa outra arte. Às vezes ele se voltava para Heredia, outras para Stéphane Mallarmé; expunha seus infortúnios, seus desejos, sua impotência;
“”Trabalhei o dia todo neste maldito soneto. Perdi um dia inteiro, longe da pintura, escrevendo esses versos e não consigo fazer o que queria. Me dói a cabeça.”
Um dia, quando dizia a mesma coisa a Mallarmé, acabou por lhe dizer:
“Não sei explicar porque não consigo terminar o meu pequeno poema quando
estou cheio de ideias”.
E Mallarmé respondeu:
«Mas, Degas, os poemas não se fazem com ideias, fazem-se com palavras».
Aqui está uma grande lição.
Paul Valéry
Memórias Literárias
Foto de Paul Valéry