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Os valores de Charles Morel

O personagem Charles Morel, da grande obra proustiana, é um tipo galanteador, esnobe, que esconde suas origens e que é capaz de qualquer coisa para mostrar seus valores…

*Alexsandro Alves

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Marcel Proust deixa, por vezes, transparecer um desprezo pelos seus personagens. E também pelas situações e cenas grandiosas que arquiteta. Toda a cena do jantar em No caminho de Guermantes é escrita, em cada detalhe, com a mão de Michelangelo pintando a Capela Sistina. O italiano pinta toda a Bíblia em seus pontos mais importantes; o francês descreve a suntuosidade e o vazio da aristocracia, os hábitos da vida mundana dos poderosos, a tradição que tem um único assunto: a tradição. De maneira tão minuciosa, agradável e marcante que nos sentimos parte dos convivas.

E depois, quando o narrador se dirige para sua casa e precisa, em seu íntimo, impor um julgamento sobre tudo o que presenciou, desde a sua chegada, quando ficou por algum tempo sozinho admirando os Elstir dos Guermantes até a lembrança de que ainda precisa visitar o barão de Charlus, tudo o que o narrador finca é um apenas para isso?

Todos esses personagens parecem, até certo ponto, ou bastante cínicos, ou de fato cansados da vida. Pode ser uma lembrança de Schopenhauer.

Ou quem sabe o espírito de Proust seja o mesmo de Machado quando sentencia que Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis.

Tudo vale a pena, porque tudo tem seu preço.

Até o amor – esse é o que mais tem preço.

Machado tem Marcela, a amiga de dinheiro e de rapazes. Proust tem Charles Morel.

Morel é um violinista de talento. Primeiro lugar no conservatório. É um jovem ambicioso, bissexual e fascinado por meninos. Mantém um caso com o barão e com seu sobrinho, Robert de Saint-Loup.

Todo o amor tem um preço, mas nem sempre estamos dispostos a pagar o preço do amor.

O barão de Charlus é um idoso. Morel o evita. Não lhe toca a pele enrugada de forma alguma. Porém aceita todos os agrados do barão. As humilhações são constantes. E o motivo é escancarado. O barão é um idoso, Morel é um jovem na flor da idade. O que o barão tem com a idade que tem? Apenas seu dinheiro. É apenas isso que Morel deseja. E consegue. As humilhações são desnorteadoras.

Charlus é um personagem ao mesmo tempo cômico e trágico. É um homem que tem consciência plena do valor de sua família, mais de 1000 anos de genealogia! Culto, refinado, devoto, homoafetivo! Sarcástico, impiedoso, cruel, agressor de homossexuais. No entanto, esse homem de muitas virtudes e alguns vícios, engole as humilhações de um jovem filho de um zelador.

E mesmo sendo um Guermantes, resolve visitar o salão da madame Verdurin, que o humilha também.

A madame Verdurin, ao saber que havia um Guermantes em seu salão, corre para recebê-lo. Porém fica contrariada quando lhe apresentam um barão? Porque pensava se tratar do príncipe. Mal sabe ela que está diante do príncipe de Laumes, duque de Brabante, príncipe de Oloron, de Carency, de Viareggio e das Dunas (de Viareggio porque tem também ascendência italiana), nascido Palamède XV von Guermantes, mais conhecido como Memé.

Em sua ambição incontrolável, Morel galga os mais altos níveis sociais, conhece os contatos importantes, amigos do barão. Ele une a vilania ao sublime, é músico. O que o faz ser sempre um atrativo nos salões.

Os homens matam aquilo que amam, e por isso, no fim das contas, Morel terá outro motivo, além da pele enrugada do barão, para o evitar…