*Percival Puggina
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Quanto mais amplo for nosso vocabulário, mais longe irão nossa imaginação, nossa compreensão e nossa expressão. E vice-versa, palavras poucas, ideias poucas. Palavras são matéria-prima da Política, do Direito, da Justiça, da Filosofia, da Fé e de tantas ciências. E da Literatura, e da Poesia, e do Amor.
Dois exemplos recentes me fazem escrever sobre a importância da luta pelas palavras. Fato 1: O leitor certamente observou o empenho com que o presidente Lula e a esquerda – brasileira e mundial – trataram de driblar por todos os modos a inclusão do vocábulo “terrorismo” e seus derivados nas referências ao grupo terrorista Hamas, conhecido parceiro de tantos. Ficou visível a luta pela palavra. Fato 2: Em evento de que participei, um orador incluiu entre seus bons objetivos o de contribuir para a construção de uma “sociedade igualitária”. Ora, sociedade igualitária é o paraíso prometido pelos adversários políticos do orador, mas ele e tantos outros o referem sem se darem conta. Comunistas prometem sociedades igualitárias embora proporcionem inevitávelmente sua consequência natural: miséria generalizada. As desigualdades entre os indivíduos só não afloram sob pressão e opressão de regimes totalitários. No entanto, a palavra adoça a pílula com o veneno que contém e submete até quem o conhece.
A esquerda possui total domínio desse instrumento de dominação cultural. Em 2005, Nilmário Miranda, Secretário de Direitos Humanos do governo Lula I, divulgou a minuta de uma “Cartilha do Politicamente Correto”, com um glossário de 96 palavras reprováveis, avaliadas como politicamente incorretas, por criarem constrangimentos.
O documento causou generalizadas manifestações que iam da ironia à indignação. À exceção da Folha de São Paulo, nenhum jornal o apoiou. O PT disse que o assunto tinha que ser melhor avaliado. Lula I, indignado, mandou recolher a cartilha. O sempre brilhante João Ubaldo Ribeiro disparou um libelo cuja íntegra pode ser lida aqui. Nele, entre outras coisas, diz:
“É estarrecedor. Estamos ingressando numa era totalitária, em que o governo dá o primeiro passo para instituir uma nova língua e baixar normas sobre as palavras que devemos usar? Será proibido em breve o uso de palavrões na língua falada no Brasil? Serão eliminadas dos dicionários vocábulos e expressões não consideradas apropriadas pelo Governo? Palavras veneráveis da língua, como “beata”, em qualquer sentido, deverão ser banidas? Será criada uma polícia da linguagem? Os brasileiros serão proibidos por lei de discutir vigorosamente e xingar os interlocutores?”.
Dezoito anos depois, temos que lutar pela vida das palavras, de seus significados e liberdade como lutamos por outras formas de vida. O politicamente correto foi mais uma poderosa arma de guerra cultural, importada e traduzida para o português e, sim, João Ubaldo Ribeiro tinha razão, ingressamos numa era totalitária. Ela é tão sutil que muitos não percebem sua liberdade esvair-se enquanto o exército malandro da guerra cultural vai avançando e apertando os grilhões.
Nós, porém, nos empenhamos em preservar a vida que resta. Por isso, tantas vezes nos percebo como corpo clínico de hospital de campanha numa guerra pela liberdade e pela cultura ocidental.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.