*Alexsandro Alves
Faz muito tempo que não escuto música. Sempre ouço várias composições enquanto executo tarefas como preparar aulas, me alimentar e mesmo tomar banho – é tudo com fundo musical.
Mas isso não é escutar música.
A escuta exige uma compenetração e uma intimidade tanto com a obra quanto consigo mesmo. O ato da escuta é semelhante ao ato de ler um livro. É exigido o tempo por completo do indivíduo.
É ritualístico.
O tempo inteiro está em branco e será preenchido por vibrações de ondas que sucessivamente farão nosso cérebro compreender que elas escrevem um sentido.
Então, faz muito tempo que meu tempo não está branco e essas cores que o preenchem estão borradas.
Fechar os olhos e, na escuridão do eu, receber a iluminação sonora de uma execução de uma partitura, sem nada mais para incomodar – e os olhos fechados, os olhos fechados encobrindo qualquer distração, dentro de nós, o tempo e o espaço são negros. A luz exterior que recebemos auditivamente é o contraponto à silente negritude interior. Se harmonizam.
A nossa vida merece uma parada completa. Merece uma descolorização e um renascimento e um monólogo interior.
Quando abandonamos todos os afazeres! E diante de uma música, ou de um livro, ao fundo e profundo, conseguimos encontrar aquele reflexo nosso, uma vez perdido, em algum espelho distante.