*Alexsandro Alves
Natal não tem passado, nem presente, nem futuro, Franklin! As pessoas aqui são barnabés, todas desejosas de servidor público! (Jota Epifânio, para Franklin Jorge, década de 80).
Uma frase impressionante, sobretudo por ser pronunciada exatamente por ele, o senhor que exaltava mediocridades bem vestidas e bem perfumadas em sua coluna na Tribuna.
É sempre uma alegria ir à casa de Franklin Jorge. Ontem estive por lá.
Por que é uma alegria? É uma alegria verdadeira, mas também uma alegria triste. O anfitrião conhece Natal como ninguém. É instigante a vida na conversa dele. Ele conhece todos e todas. Há muitas histórias que até Deus duvida. Fatos que vão do sublime ao grotesco. De cidadãos de bem que sequer desconfiávamos, mas são humanos, e algumas vezes o laquê ou o cravo na lapela dão um verniz falso.
Mas o autor de Verniz dos mestres é capaz de retirar a mais densa camada de verniz sobre qualquer potiguar e revelar seus segredos e suas satisfações mundanas.
Eu sempre falo para ele: Mas, Franklin! Isso é um romance!
E ele reponde: Escreva!
***
Ontem conversamos sobre a deterioração da cidade. Natal está só o caco. Seu patrimônio histórico se degrada a cada dia, tanto pela ineficiência e corrupção do poder público quanto pela ação de vândalos terroristas do movimento decolonial.
Nesse vai e vem da memória, nesse fluxo de imagens e pessoas, que ora emergem ora submergem, como numa página de Proust ou de Wagner, surgiu Pedro Grilo.
Esse movimento da memória é fascinante. O que surge, surge como determinação ou como vontade? Simplesmente surge, como uma arqueologia nas cavernas do tempo, isso é a memória. E ela, a memória, é o componente mais sólido na formação eterna de nossas vidas breves.
Pedro Grilo morreu. Assim como muitos personagens que aparecem e desaparecem em nossas conversas. A melhor parte de conversar com Franklin é essa ressurreição de mortos que ele executa. Parece que estão vivos e que nos observam. Ganham permanência pela memória.
Aquele velhinho, com seu imenso chapéu, todo vestido de finíssimo tecido branco, com seu cajado de profeta, que se destacava ao caminhar pelo Centro da cidade e que, pontualmente, às cinco da tarde, sentava-se na calçada do Café São Luiz, descia do tempo eterno para o tempo presente e nos trouxe um museu de novidades.
***
Grilo estava abatido, triste, revoltado.
Franklin, eu vou queimar todos os meus quadros!
Grilo, seus quadros são obras documentais! São telas que arquivam para a cidade a passagem do tempo! Há cenários em seus quadros que hoje estão aos pedaços! Ou nem existem mais! Seus quadros são testemunhos de uma outra Natal. Eu conversei com Isaura, mas ela, em sua futilidade, se negou a adquirir seus quadros! Mesmo assim, os conserve!
Natal não considera ninguém! E eu estou decidido!
Se você está decidido, que seja de forma grandiosa! Junte seus quadros e faremos uma enorme pira em frente à Pinacoteca! Uma pira funerária! Será um testemunho da maneira como Natal trata seus talentos, sua cultura e sua memória! Nenhuma imagem é mais certa, para marcar Natal e sua cultura, do que as cinzas!
Grilo voltou atrás na ideia.
Não era homem de guerra! Era um homem que gostava de cantar ópera!
Mas a dor de Grilo marca, para quem sabe ver, a cidade inteira.
Natal não tem passado, nem presente, nem futuro, como disse Jota Epifânio.