*Franklin Jorge
.Assalta-me, vez ou outra, como uma visita que se espera, a perspectiva da morte.
Que me trará, como presente, a velha duquesa? Talvez o filme de minha própria vida, como dizem alguns, que veremos, em uma fração de segundo, toda a minha vida passada?
E esse temor, não da morte em si, do inesperado? De ser surpreendido, sem aviso de dia ou hora, a arrumação da casa ainda por concluir, apesar de meus esforços?
. Constata-se no Brasil, nos últimos anos, uma sinistra epidemia de escritores ágrafos, a maioria deles totalmente desprovidos de cultura literária e infensa ao fenômeno estético. Alguns tão desprovidos de bom senso que recomendam os próprios livros.
Não me surpreenderia se esses que se dizem escritores tivessem alguma vez na vida lido um livro minimamente de qualidade. São aficionados de séries e de obras produzidas em escala industrial pela famigerada Indústria Cultural.
Esses clubes de leitura e de amantes de livros são uma vitrine da decadência da nossa cultura. Provam-nos a exaustação que a decadência de um povo começa pela degradação da língua.
.Bolaño, Roberto Bolaño mergulha fundo nas águas da vida que foi sem ter sido.
Autor de uma escrita forjada em um ritmo inexorável, como um trem que se descarrila.
Um escritor que não trapaceia, nem se detém, desde que aciona o mecanismo dessa lucidez que contém a vida.
.Notas para O velho debaixo da cama:
Lagartixa Albina, por demais conhecido e ridicularizado em Natal como um tosco e arrogante militante de esquerda que ocupou cargos públicos muito acima de sua capacidade intelectual, como a secretaria de cultura e a presidência da Capitania das Artes, um indivíduo medíocre e inescrupuloso, sempre afeito e disposto às pequenezas e aos expedientes. De parvo, porém, só tem a queixada.
Abusou de Dr. Vulpiano, falsificando em seu nome uma carta de apoio à candidatura de Perla Bauptista. Questionado sobre a veracidade da carta, pois o suposto missivista achava-se há dias numa UTI em Fortaleza, entre a vida e morte, tripudiou cinicamente sobre o estado de saúde de sua vítima. “Melhor assim, se está à beira da morte não poderá desmenti-la”.
Bostero, um tipo facilmente irritável, baixote e redondo como um barril de cerveja. Rodopiando à volta de sua vaidade, a voz sibilante de algum bicho peçonhento, parecia-nos um lacrau com raiva expedido de alguma salina.
O compositor de uma nota só. Homem feito pela metade, não pertencia a nenhum gênero, exceto por sua congênita frascarice.
Pavão de Galinheiro…
A Perereca…
Negão Pauzudo…
Quantas personagens à procura de um autor!
.Ulisses, um livro, segundo Jorge Luís Borges, que foi escrito como uma expressão de fatalidade. Coube a Joyce escrevê-lo, pois está escrito que alguém devia carregar esse estigma.
Foto de Franklin Jorge quando escrevia as notas que comporiam Pentimento, livro ainda inédito.