*Alexsandro Alves
I.
Sempre que volto ao passado, as memórias são sempre maternais. Por vários motivos. O primeiro deles é que, de certa forma, não havia homens em casa. Havia eu e meu irmão, crianças, cercados por quatro mulheres adultas (mamãe, vovó, Nara, irmã de mamãe e Jaqueline, amiga de Nara que, com o falecimento de sua mãe, veio morar conosco) e nossa irmã mais nova. Além disso, cachorros, gatos e coelhos, um hábito de minha mãe.
Quem primeiro nos ensinou a ler foi nossa avó. Semianalfabeta, fez toda a diferença em nosso mundo escolar. Quando fomos para a escola, já sabíamos ler. Vovó comprava uma cartilha do ABC e também uma tabuada, eram duas brochuras finas com as famílias do alfabeto e as quatro operações básicas. Mas era cruel. Vovó não era de muita paciência, tínhamos que aprender mesmo, na marra. E no chinelo. Hoje isso é impossível de ocorrer, mas as palmadas valeram. E foram poucas, graças a Deus…
Boas escolhas são muito importantes, e são ainda mais desejáveis quando feitas por pessoas que amamos.
Quando aprendemos a ler e entramos para o Jardim I, mamãe não esperou muito. Comprou várias coleções de livros, todas em capa dura. Uma delas, de contos de fadas, Meu Amiguinho, em quatro volumes; mas também comprou uma coleção chamada Estudando a ciência: volume 1: Os seres vivos; 2: O meio ambiente; 3, Química e física; 4, O corpo humano. Outra coleção foi um Dicionário ilustrado de português, em seis volumes, e uma coleção que não lembro o nome, mas era de todas as disciplinas escolares, para cada disciplina, um volume.
Peguei o hábito de ler com essas coleções. Ainda que não entendesse volumes como os de Química e física, viajava com os contos de fadas e Os seres vivos.
Uma boa mãe constrói mais que um bom pai.
Então, havia uma ausência masculina adulta lá em casa. E, ao menos para mim, não fazia muita falta, assim pensava. Porém, de certa forma, eu soube suprir essa ausência de uma figura masculina concreta de muitas maneiras.
II.
Em 1987, após oito anos separados, meus pais resolvem casar novamente.
Não precisava.
Conheci meu pai, então. Conheci é um exagero, porque sabia quem ele era, já o havia encontrado quando, por exemplo, nos períodos de férias, voltávamos para o RN e passávamos as férias em Riachuelo.
A figura mais desprovida de música que ainda vive sobre esse mundo.
Mesmo assim, ele ainda trouxera, para minha casa, seus lps.
E aí, de qualquer maneira, é preciso fazer-lhe um pouco de justiça, a contragosto.
Ele ouvia um tipo de música instrumental, executada por um músico daqui do estado, Ivanildo, o sax de ouro. Eu acho que ele possuía todos os discos dele.
E ouvia muito.
III.
Eu gosto de entender como tudo se formou e se forma em mim.
Eu posso estar enganado, mas o meu amor pela ópera pode ter nascido da veia teatral de minha mãe com essa música instrumental. Pode ser.
Mas há um dado anterior a ele.
Quando ouvia, no disco internacional da novela Brilhante, You weren’t in love, por Mick Fleetwood, o momento que mais me deixava impressionado era o refrão, um coral com violinos em arco bem longo. Essa parte já me chamava atenção e me fazia, várias vezes, voltar essa música, só para ouvir esse refrão coral.
De qualquer maneira, este disco está ligado a minha mãe. O pouco que me forma, do lado paterno, deve ser bastante residual. Pelo tempo e também pela minha indisposição natural com o indivíduo.