*Franklin Jorge
No shopping, enquanto aguardava uns amigos, percebi à minha volta, pela enésima vez, uma miríade de personagens, como a senhora idosa e distinta que esperava a filha que a convidara para almoçar e já se passara duas horas de espera. O pior, ela me disse, é que o celular dela está desligado…
Há muito o que se ver em um shopping. Sobretudo, personagens, mas aparentemente nenhum autor que lhes capture a alma a partir de indícios reveladores de uma existência particular.
Nossa literatura, cada vez mais esquecida por gestores dinastas, carece, historicamente, de romancistas. Exceção de Nísia Floresta, que iniciou o gênero entre nós, inspirada na sogra feminista de Shelley, um ou outro, a longos intervalos, tem desafiado o gênero, como o autor de Macau, um clássico; em sua época, o ex-governador Antônio de Souza e, posteriormente, o próprio Luís da Câmara Cascudo, com Canto de muro, que é a rigor o praticante de um subgênero singular, ao substituir em sua trama romanesca humanos por animais e insetos que habitavam o seu quintal. Talvez tenha se inspirado em seus predecessores franceses, amantes das fábulas. Ah, quase esquecia-me de referir o ilustre varzeano Manoel Rodrigues de Melo, autor de Nas terras de Kamundá, sua única obra, que eu saiba, de ficção. Em Currais Novos, José Bezerra Gomes inaugura um frustrado “ciclo do algodão”, e, no Assu, a mineiro-potiguar Maria Eugênia Maceira Montenegro transformou o boiadeiro Epifânio Barbosa em curiosa personagem. Há autores semi-inéditos, como José Humberto Dutra, de minha geração, sobre quem muito se fala e pouco se conhece.
Mais recentemente Racine Santos trocou as peças de teatro pelo romance e já nos deu dois títulos em curto espaço de tempo. Sempre fiel a uma veia satírica, transfigurou em comédia humana os alvoroços de sua Macaíba natal. O primeiro deles, evoca sua paixão armorial, já presente em seu teatro.
Escrevendo sua ficção com a fluidez que se exige do teatro, parece promissor e como que desencavou um filão folhetinesco que diverte e adverte o leitor. Antes dele, Franci Fernandes e Nivaldete Ferreira escreveram romances promissores, porém sem continuidade. Quase esquecia-me de João da Rua, João Batista de Morais Neto, criador do “romance-minuto”. O jornalista Emanoel Barreto, autor de surpreendente e único romance. Francisco de Assis Câmara, autor de uma prosa densa e abissal. Nilson Patriota. José Humberto Dutra, autor de um romance inacabado que me parece superior ao seu clássico Geração dos maus. Racine Santos, grande dramaturgo e agora romancista que recria a sua Macaíba natal. Maria eugênia Maceira Montenegro, autora de Lourenço o sertanejo. e alguns poucos outros…
De todos os nossos romancistas, creio ser o que melhor se expressou foi um paraibano-natalense, Eulício Farias de Lacerda, professor de Português de Anna Maria Freire Cascudo, não sei se mais autor ou personagem, segundo a suspeita do poeta e grande crítico Jarbas Martins. Abordou um tema inusitado, a passagem de Luís Carlos Prestes e sua coluna de rebelados, pela serra de Luís Gomes.