*JMG Le Clezio
JMG Le Clézio: Percebi que o que me atraía, nas cidades, eram os terrenos baldios, tudo o que estava à margem da urbanização, tudo o que parecia esquecido pela urbanização ou, ao contrário, que a urbanização havia recusado. Chegando em Paris, fiquei surpreso e, ao mesmo tempo, pasmo ao ver que havia milharais mesmo às portas de Paris […]. Mas acho, na verdade, que isso expressa o que eu gosto em terras de ninguém, em terrenos baldios. Tenho a sensação de que há algo ali que não pertence a ninguém e que, talvez, possamos passar para a próxima geração. Especialmente porque são as crianças que curtem os terrenos baldios. Seria um grande legado.
Jean Louis Ezine: A paisagem lecleziana é, portanto, o deserto; ou aqueles desertos reduzidos que são os baldios, o litoral, as praias, que também são terras de ninguém. Então o personagem lecleziano é a criança, o pobre ou o nômade?
JMG Le Clézio: É alguém em trânsito; alguém a quem, precisamente, demos a vida e que poderá devolvê-la. Por outro lado, personagens de romances muitas vezes me dão a impressão de pessoas que receberam uma vida que não é final e que vivem no espaço de um momento literário – não é uma vida duradoura. Personagens de romance, como personagens de quadrinhos, são fugazes. Ao mesmo tempo, podemos sentir que quem os imagina recebe deles algo que vai além da vida. É difícil de explicar. Estou pensando principalmente em personagens de quadrinhos, como Tintim. Temos a sensação de que eles não envelhecem, que não mudam, que sua vida é muito curta e, ao mesmo tempo, assumimos que seu autor – Hergé – ele recebeu, se não a imortalidade, pelo menos uma espécie de extensão na morte, algo que durará além da vida. Personagens de romance também são assim.
Entrevista de JMG Le Clézio a Jean Louis Ezine
France Culture, novembro de 1988
Foto: J.MG Le Clézio por Lea Crespi Pasco